Uma multidão de mulheres e adolescentes vestidas de verde acompanhou nesta terça-feira (28) a apresentação de uma nova proposta para a legalização do aborto na Argentina ante o Congresso, que decidirá se volta a debater ou não essa iniciativa neste ano eleitoral após o fracasso de 2018.
Cantando "Aborto legal, no hospital", milhares de ativistas adornadas com o lenço verde que identifica seu movimento tomaram a praça em frente ao Congresso em Buenos Aires, enquanto 15 parlamentares depositavam o projeto de lei no interior da sede do Legislativo.
Esta é a oitava vez que se apresenta um projeto para legalizar a interrupção voluntária da gravidez na Argentina. Até agora, só uma vez, em 2018, a proposta foi debatida no Congresso, onde sua aprovação fracassou por sete votos no Senado.
Mães com seus filhos e grupos de amigas, de colegas de trabalho ou de estudo se apresentaram com seus lenços verdes para exigir aos congressistas que se volte a debater a proposta.
— Não se deve baixar a guarda, é preciso seguir lutando. Os políticos têm medo de dizer que estão a favor do aborto, mas isso está mudando pouco a pouco — disse Natalia Eraza, uma assistente hospitalar de 28 anos.
As mobilizações se estendem a uma centena de cidades argentinas.
— Cada um tem que poder decidir com responsabilidade. Abortar não é fácil, tem que haver uma legislação que permita fazê-lo dignamente — comentou Noelia Patruno, guia turística de 40 anos.
O peso da Igreja
Separados por um cordão policial, um punhado de ativistas contrários à legalização se esforçavam para ser ouvidos.
— Que dor ver isto! Não é justo, uma sociedade que propõe a morte. A vida é a partir da concepção. Por quê voltar com esse projeto de lei? Já foi rejeitado no ano passado. Já sabem que não têm a força suficiente — afirmou Nélida Rodríguez, comerciante de 50 anos, com lenço e capa azuis, emblema dos contrários ao aborto.
A legalização do aborto divide a Argentina, país do papa Francisco e onde a Igreja católica exerce uma influência importante.
Há poucos dias, Francisco se expressou mais uma vez contra a interrupção voluntária da gravidez e a comparou com a contratação de um pistoleiro.
— É justo eliminar uma vida humana para resolver um problema? É justo contratar um pistoleiro para resolver um problema? — questionou o papa na semana passada, durante um colóquio sobre a luta contra o aborto terapêutico.
Há poucos dias, Francisco se expressou mais uma vez contra a interrupção voluntária da gravidez e a comparou com a contratação de um pistoleiro.
— É justo eliminar uma vida humana para resolver um problema? É justo contratar um pistoleiro para resolver um problema? — questionou o papa na semana passada, durante um colóquio sobre a luta contra o aborto terapêutico.
Pressão eleitoral
O trânsito do projeto de lei parece difícil neste ano de eleição presidencial, em que nenhum candidato quer perder votos.
Mas as organizações feministas concentram suas esperanças na renovação de 24 dos 72 assentos do Senado, prevista para as eleições de outubro. Também se renovará metade da Câmara Baixa.
— Não se deve baixar a guarda, é preciso seguir lutando. Os políticos têm medo de dizer que estão a favor do aborto, mas isso está mudando pouco a pouco — disse Natalia Eraza, uma assistente hospitalar de 28 anos que participa da manifestação em frente ao Congresso.
Em 2018, a Câmara de Deputados aprovou a norma por 129 a 125 votos, e o Senado a rejeitou depois por 38 a 31.
— Esta vez o tema já está instalado na sociedade, será uma pergunta mais natural para os candidatos que terão que dizer que posicionamento levarão ao Congresso — afirmou Victoria Tesoriero, dirigente da Campanha pelo Direito ao Aborto Legal, Seguro e Gratuito.
A deputada de esquerda Victoria Donda, uma das que rubrica a apresentação do projeto, considerou necessário "exigir aos candidatos que esclareçam sua postura".
— O aborto não é "piantavotos" (espanta eleitores), é uma questão de saúde pública — afirmou.
O presidente liberal Mauricio Macri, que buscará sua reeleição, foi o primeiro governante a habilitar o debate parlamentar. Mas se declarou "a favor da vida", embora tenha garantido que se a norma fosse aprovada não a vetaria.
A ex-presidente e senadora Cristina Kirchner, principal opositora e candidata à vice-presidência, recusou lançar o debate durante seus dois mandatos (2007-2015), mas em 2018 votou a favor.
Seu companheiro de chapa, Alberto Fernández, candidato à presidência pelo peronismo de esquerda, se declarou a favor da despenalização, embora sem avançar na legalização.
Aborto legal
Na Argentina, o aborto é permitido quando está em risco a vida da mulher ou quando a gravidez é produto de um estupro, sem detalhar as semanas de gestação.
Mas muitos médicos e alguns governos provinciais resistem a aplicar a lei e algumas meninas de 11 anos foram obrigadas a levar adiante a gravidez ou submetidas a cesáreas pela judicialização de seus casos.
Um informe do Centro de Estudos de População (Cedes) estima que na Argentina são praticados cerca de 450 mil abortos clandestinos por ano, que levam à morte de uma centena de mulheres.
— Os abortos continuam sendo praticados em péssimas condições e as mulheres morrem em contextos de clandestinidade — denunciou Mariela Bielski, diretora da Anistia Internacional Argentina.