Aconteceu há aproximadamente um ano. Quando saí do metrô, deparei com uma propaganda de um serviço de entrega de comida na parede da estação, em que se lia: “Para quando você quiser comer um bolo inteiro por estar completando 30 anos, que basicamente são 50, o que praticamente significa que você está morto”.
Depois que muita gente protestou contra o anúncio nas redes sociais, a empresa se desculpou por aquilo que chamou de humor, mas que eu chamaria de discriminação com base na idade.
No segundo semestre de 2018, houve outra campanha desastrosa, cujo propósito era incentivar a participação de jovens nas eleições americanas. Em busca desse objetivo tão louvável, marqueteiros recorreram a todos os estereótipos negativos relacionados a pessoas mais velhas – a saber: egoístas, confusas e despreocupadas com o futuro – para assustar os mais novos e fazê-los votar.
Tais agressões ficam menores quando comparadas às formas que esse tipo de preconceito costuma assumir: discriminação generalizada no mercado de trabalho, sistema de saúde injusto, piadas na mídia ou invisibilidade. Quando internalizada, essa visão preconceituosa pode levar à deterioração da saúde mental e física de idosos.
— É um problema incrivelmente difundido e sorrateiro — afirma Alana Officer, à frente da campanha global contra o chamado idadismo organizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que define o fenômeno como “estereótipo, preconceito e discriminação” com base na idade. – Não afeta apenas indivíduos, mas como pensamos nossas políticas.
Como primeiro passo da campanha, anunciada em 2016, a OMS investiu US$ 500 mil em pesquisa. Quatro equipes ao redor do mundo estão coletando e avaliando as evidências disponíveis acerca do problema – suas causas e consequências para a saúde, como combatê-lo e a melhor maneira de mensurá-lo. O trabalho deles será publicado em um relatório da ONU a ser publicado dentro de um ano. E os organizadores esperam que cause uma mobilização internacional.
Quando internalizada, essa visão preconceituosa pode levar à deterioração da saúde mental e física de idosos.
Um dos grupos de pesquisa, da Universidade Cornell, finalizou o trabalho e está prestes a publicar o estudo no periódico científico American Journal of Public Health, trazendo, surpreendentemente, ótimas notícias.
A equipe passou um ano e meio examinando de forma meticulosa dezenas de artigos, publicados desde os anos 1970 até 2018, e avaliando programas de combate ao idadismo, que se alastraram pelo país após o psiquiatra e gerontólogo Robert Butler ter cunhado o termo ageism (em português, idadismo) em 1969.
Contudo, Karl Pillemer, gerontólogo que lidera a autoria do estudo, levantou os seguintes questionamentos:
— Mas eles são bons? As intervenções que pretendem mudar atitudes preconceituosas em relação à idade realmente funcionam?
Os pesquisadores analisaram 64 estudos, a maioria conduzida nos Estados Unidos, envolvendo 6.124 participantes, desde crianças em idade pré-escolar até jovens adultos. Eles classificaram cerca de um terço dos programas estudados como intergeracionais, ou seja, criavam contatos entre jovens e idosos que, em teoria, poderiam reduzir o preconceito. O outro terço era educacional, ensinando fatos sobre o envelhecimento como uma maneira de desafiar estereótipos e mitos. O bloco remanescente combinava ambas as abordagens.
David Burnes, um dos autores do estudo e, hoje, gerontólogo da Universidade de Toronto, observou que esses esforços foram de pequeno alcance, sem grandes custos e locais. Entre eles, havia:
1) Um programa em que alunos de psicologia se correspondiam com idosos por e-mail, estreitando o relacionamento ao longo de seis semanas.
2) Um projeto de jardinagem que levou alunos do quarto ano do Ensino Fundamental para visitar um centro de assistência social para idosos no Tennessee duas vezes por semana durante um mês.
3) Um programa de quatro sessões realizado em uma escola de Ensino Médio na Austrália que promovia discussões, brincadeiras e jogos narrativos sobre envelhecimento e desenvolvimento do adulto.
De modo quase unânime, depois dessas intervenções, os participantes demonstraram significativamente menos comportamentos discriminatórios nos testes de atitude e mais conhecimento sobre envelhecimento em comparação aos grupos que não participaram. A abordagem educacional e intergeracional combinada foi a que se mostrou mais eficaz.
— A mensagem está clara. Atitudes preconceituosas contra a idade não parecem estar tão enraizadas como pensamos. Elas podem ser relativamente maleáveis — declara Pillemer.
Clichês negativos aumentam os riscos de demência
Becca Levy, psicóloga social da Escola de Saúde Pública da Universidade Yale (nos EUA) e líder da revisão dos estudos sobre as consequências para a saúde patrocinada pela OMS, afirma:
— Esses estereótipos podem impactar diretamente a saúde e o comportamento de uma pessoa mais velha.
A pesquisa que o grupo dela está revisando vai incluir um trabalho de sua própria autoria sobre o idadismo, conduzido durante 20 anos. Segundo demonstrado por Levy, pessoas mais velhas que enxergam o envelhecimento como positivo têm mais chances de se recuperar de alguma situação de doença do que aquelas que acreditam nos estereótipos negativos da velhice. Além disso, as do primeiro grupo estão mais propensas a comer bem e praticar exercícios, apresentam menos quadros depressivos e de ansiedade e vivem mais.
Recentemente, Levy e seus pares vêm investigando a relação entre idadismo e cognição. Ela afirma:
— Os clichês negativos aumentam o risco de os idosos desenvolverem demência.
Esses indivíduos têm maior acúmulo de placas neuríticas e emaranhados neurofibrilares no cérebro, os biomarcadores da doença de Alzheimer e um hipocampo menor, a parte do cérebro associada à memória.
Mesmo assim, “a aceitação social desse tipo de preconceito é grande”, constatou Levy, destacando a televisão, as redes sociais e as interações cotidianas. Apesar de estudos terem concluído que crianças com três ou quatro anos já podem ter ideias discriminatórias de idade, agora “temos pesquisas que mostram ser possível superá-las”.
Algumas questões essenciais seguem sem resposta. As pesquisas analisadas pelo grupo da Cornell acompanharam os participantes durante uma média de 15 semanas, por isso não sabemos qual a duração dos efeitos positivos de tais interações. Também não há dados suficientes sobre como mudar o idadismo internalizado da própria pessoa idosa.
Também não sabemos se e como as atitudes positivas se traduzem em ações. Cidadãos menos preconceituosos vão apoiar a aplicação de leis mais severas contra a discriminação de idade no ambiente de trabalho? Ou lutar contra os cortes de gastos negligentes no sistema de saúde e de previdência social?
Não é sempre fácil encontrar o equilíbrio entre ignorar mensagens ofensivas e repreender atitudes prejudiciais, mas as pessoas podem se manifestar sobre as generalizações preconceituosas relacionadas à idade.
Podemos tecer argumentos sobre os méritos de um ou outro político sem rejeitar candidatos simplesmente por serem velhos demais (ou jovens demais). Podemos valorizar e parabenizar quem não tem medo de mostrar a cara e a cor do cabelo verdadeiras (ao mesmo tempo que reconhecemos que, sim, o mercado de trabalho às vezes prega o oposto). Podemos protestar, de maneira gentil, mesmo quando amigos e familiares que amamos sucumbem ao pensamento estereotipado.
Há alguns meses, durante o momento de relaxamento na minha aula de exercícios matinais, a instrutora pediu que nós – ao som de uma música idílica – nos imaginássemos navegando pelo Sena em uma noite romântica. Imagine a lua, entoou. Imagine que você tem 30 anos.
Bem. Ela quis fazer uma brincadeira. Mas todos os alunos daquela aula tinham no mínimo duas décadas de vida a mais (inclusive ela) e ainda eram capazes de curtir uma noite de luar em Paris.
Um debate resultou daquilo. Argumento apresentado. Argumento compreendido.
Por Paula Span