Pergunte a Helano de Oliveira Maffini qual o nome de sua irmã:
– Amada Helena!
Esse é o nome da organização não governamental (ONG) fundada pela mãe do garoto de cinco anos, a dona de casa Tatiana Maffini, 38, moradora de Gravataí – tão presente no cotidiano doméstico que o pequeno incorporou o adjetivo que descreve a menina que nunca conheceu. Helena morreu no início de 2012, com apenas 17 dias de vida, à espera de um leito de UTI neonatal, por conta de um problema cardíaco diagnosticado no pós-parto. Helano ainda não compreende bem o que se passou antes da sua chegada.
Ouviu relatos sobre a morte de Helena e sobre o fato de ela ter ido para o cemitério e viver no céu. Refere-se a “Amada Helena”, mas, quando perguntado se tem uma irmã, responde que não.
A trágica primeira experiência de maternidade, Tatiana transformou em vontade de amparar outras famílias que se defrontam com o luto parental. Neste mês, a ONG está inaugurando sua sede em Porto Alegre, no bairro Independência, que permitirá a realização de encontros e o acolhimento de mães e pais que perderam seus filhos, em qualquer idade ou circunstância. No dia 24, será organizada a primeira atividade aberta ao público, chamada (Re)florescendo Amor (veja no quadro ao lado), Amada Helena surgiu como blog, dada a necessidade da autora de desabafar. Desde a morte da primogênita, Tatiana não se sentia à vontade ou incentivada para falar sobre a dor que sentia.
– Eu estava velando a Helena, e as pessoas já me diziam: “Logo você vai engravidar de novo”. Não respeitavam nem aquele momento – recorda a mãe, ressaltando que seu sofrimento era minimizado por outras pessoas que acreditavam que a morte de um recém-nascido gerava menos sofrimento do que a de um filho crescido. – Acham que o amor é medido no relógio, mas não é.
Pela internet, outras mães em situação semelhante começaram a entrar em contato, pedindo ajuda. Em 2013, nasceu a ONG, que passou a promover eventos e a distribuir milhares de cartilhas com orientações para interessados de todo o país. Hoje, são quase 35 mil seguidores da página no Facebook.
Tatiana se dedica em período integral à missão que elegeu como uma de suas prioridades, contando com profissionais voluntários e até comprometendo parte do salário do marido, o auxiliar de serviços gerais Giovane Maffini, 40 anos, que arca com o custeio de pequenas despesas da instituição. O espaço que a Amada Helena agora ocupa na Capital foi cedido, por um ano, pela congregação das irmãs salesianas.
Chama-se de “bebê arco-íris” o filho que sucede à criança que morreu. A ONG, relata Tatiana, foi seu primeiro arco-íris. Helano nasceu em outubro de 2013.
A troca de letras que torna os nomes semelhantes resultou de dois fatores: Tatiana queria um que começasse com H, e os torcedores gremistas da família votaram em uma homenagem ao jogador Elano, que teve passagem pelo Tricolor e pela Seleção Brasileira.
O início da segunda gestação foi tomado pela angústia. A dona de casa começou a se tranquilizar quando, ao perceber a barriga crescendo, conseguiu concluir:
– A história da Helena é a história da Helena, a história do Helano é a história do Helano.
Certo dia, no banho, chorou e pediu desculpas ao filho, que ainda não conhecia, por não estar inteira:
– Não conseguimos curtir a gravidez dele como curtimos a da Helena, por mais que nos esforçássemos. Tínhamos medo.
Psicóloga especialista no tema e voluntária da ONG, Karina Polido destaca que o luto parental costuma ser vivenciado de modos distintos entre homens e mulheres. Nas mães, Karina observa a importância de poderem extravasar a devastação. Para os pais, parece haver um nível de dificuldade bem maior em falar sobre o assunto, o que não significa, obviamente, a ausência de sofrimento. Muitos conflitos entre casais começam a partir dessas diferenças. A orientação que Karina dá é para que cada um procure fazer aquilo que puder trazer algum conforto:
– Nem sempre a pessoa vai precisar de ajuda especializada. Não existe regra. É preciso respeitar as suas necessidades. Cuidar-se.
“Tudo o que queriam me silenciar, a ONG me deixou falar”, diz mãe
Uma das pessoas que já foram beneficiadas pelos serviços da ONG Amada Helana é Jéssika dos Santos Oliveira, 27 anos, moradora de Porto Alegre. Em 2015, a educadora perdeu a filha Maria Luíza, dois dias após o nascimento, devido a complicações de uma má-formação congênita.
Eu achava que tinha de sofrer quieta. Tinha vontade de falar muito da minha filha, mas ninguém me permitia falar. Lá, eu não precisava esconder. Recebi um acolhimento que não tem explicação. Elas me deram voz.
JÉSSIKA DOS SANTOS OLIVEIRA
Frequentadora da Ong
Ao longo da gestação, de risco, a mãe já estava ciente da possibilidade de o pior dos desfechos ocorrer, mas, mesmo assim, nutria esperanças pela sobrevivência da menina. Jéssika tomou conhecimento dos serviços prestados na Amada Helena por meio de uma postagem no Facebook e passou a frequentar os encontros mensais.
– Eu achava que tinha de sofrer quieta. Tinha vontade de falar muito da minha filha, mas ninguém me permitia falar.
Lá, eu não precisava esconder. Recebi um acolhimento que não tem explicação – rememora a educadora, destacando a importância de ter sido ouvida:
– Elas me deram voz. Tudo o que queriam me silenciar, a ONG me deixou falar. Foi bem difícil, chorei bastante. Me fez muito bem, me senti mais leve. Vi que não era errado eu sentir.
Jéssika está grávida de 37 semanas de Analú, a segunda filha, que pode nascer a qualquer momento. A gravidez transcorre normalmente.
A ONG Amada Helena
- A ONG presta auxílio a pais e mães que perderam filhos.
- O atendimento ao público é oferecido de segunda a sexta-feira, das 8h às 12h e das 13h às 16h30min, na Rua Tiradentes, 53, bairro Independência, em Porto Alegre.
- Há a possibilidade de marcar consulta com uma psicóloga. Informações pelo telefone (51) 98198-9205 e pela página no Facebook.
- No dia 24 de março, às 13h30min, será realizado o evento (Re)florescendo Amor, primeira atividade aberta ao público na nova sede. Haverá a palestra “As redes sociais como ferramenta para compartilhar a dor do luto” e a oficina “Compartilhando histórias”, além de um chá de confraternização.
- A entrada é gratuita, e as inscrições pode ser feitas até o dia 21, clicando no link do evento (Re)florescendo Amor.
- De 1º a 7 de julho, a ONG Amada Helena promoverá a 1ª Semana Gaúcha do Luto Parental, com atividades na Capital e pelo Interior.