Com assentos unidos pelo quadro, que pode ser de alumínio ou de aço, a bicicleta tandem se assemelha a uma bike comum, não fossem os dois bancos, os quatro pedais e a possibilidade de guia (que vai à frente) e ciclista (atrás) segurarem cada um em seu guidão. Elas estarão em evidência neste sábado (15), na última pedalada do ano promovida pela Associação dos Cegos do Rio Grande do Sul (Acergs). O evento faz parte da programação Partilhando Vivências, da Parceiros Voluntários.
O passeio Pedal da Acergs foi idealizado pela fisioterapeuta Bianka Rauber, 29 anos, e pelo bancário Rafael Martins, 40. Em 2016, eles buscaram lojas na Capital que aceitassem o desafio de produzir as bikes tandem – que, no mercado, custam entre R$ 1,6 mil e R$ 2 mil. A Bike Art, a MBike e a Vila Velô toparam e montaram seis veículos. Para financiar a empreitada, Bianka e Rafael arrecadavam e vendiam tampinhas de plástico, além de contarem com apoio da Braskem.
A primeira pedalada ocorreu em julho daquele ano. O evento cresceu, tornou-se regular e, atualmente, reúne 20 participantes (contando os guias). São 12 edições ao longo do ano.
— Temos a pretensão de expandir para 24, mas tudo depende da evolução que tivermos nas nossas necessidades — afirma Bianka, que é cega.
— Nosso ponto de dor é conseguir um local que possa ser dormitório para nossas bicicletas, que hoje ficam na Zona Sul. Como todos os eventos de pedalada ocorrem na área central da cidade, precisamos arcar com uma logística para trazer e levar os veículos de volta ao local. Isso gera um custo que poderia ser menor se tivéssemos um parceiro — conta Rafael Martins, que também tem deficiência visual.
O grupo pretende conseguir patrocinadores hospedeiros para as bikes, pessoas ou empresas que auxiliem na compra de novas bicicletas e nos custos de manutenção, além de voluntários que sejam guias ou batedores (quem acompanha a turma em bicicletas normais para evitar acidentes).
O Pedal da Acergs recebe doações espontâneas, vende camisetas do grupo e colhe das duplas uma contribuição de R$ 10 a cada evento. A arrecadação de tampinhas passou a priorizar a aquisição de bengalas a quem inicia a reabilitação e tem dificuldades financeiras.
Um sentimento comum entre guias e pedaleiros é a satisfação em ajudar, de estar sendo guiado, de conhecer pessoas e realidades diferentes, além da diversão. O funcionário público Rafael Ribeiro, 46 anos, já tinha visto vídeos de passeios ciclísticos com cegos, mas, depois de assistir a um grupo de pedaleiros na Usina do Gasômetro, resolveu procurar a Acergs.
— Comecei ajudando no futebol, como goleiro, e depois tive contato com o pedal. Minha primeira atuação como guia foi em uma pedalada curta, mas, depois, só fui aumentando o percurso — relata Rafael, que é vidente.
Tatiana Galóis, mulher de Rafael, sempre achou interessante esse tipo de passeio, mas temia se tornar responsável por um acidente envolvendo uma pessoa cega:
— Um dia, faltou gente, me chamaram e não tive como recusar. Hoje, sinto uma sensação indescritível em poder ajudá-los.
Gerson da Silva Silveira, 48 anos, e Lisiane Vasconcelos, 31, começaram a pedalar em épocas diferentes, mas hoje vão juntos. Apesar de ter apenas 25% da visão de um dos olhos, por conta de uma úlcera ocular, Gerson consegue ser guia de pessoas com deficiência nos passeios ciclísticos, além de auxiliar no transporte das bicicletas:
— É muito legal sentir a alegria de quem achava que nunca mais poderia pedalar. Hoje, experimento a sensação de liberdade pedalando junto com minha namorada, que tem deficiência visual total. Sinto a alegria e também o cansaço dela.
Há um ano pedalando com o namorado, Lisiane comenta:
— Pedalando pelas ruas, senti a dificuldade diária dos ciclistas no trânsito, quando os motoristas xingam e querem expulsar o pedaleiro da rua. Mas isso é questão de educação mesmo.
Toda ajuda é bem-vinda
- A Acergs conta com algumas empresas parceiras na construção e doação das bicicletas adaptadas. O aumento dos eventos e a aquisição de novos veículos depende da doação de pessoas físicas e jurídicas, com dinheiro e voluntariado.
- As empresas que se interessarem em abraçar a causa, como hospedeiras das bicicletas ou com doação de valores a serem abatidos no imposto de renda, devem ligar para o telefone (51) 3225-3816, das 14h as 18h, de segunda a sexta-feira.
- Outra alternativa é falar com Rafael Martins, que coordena o Pedal, via WhatsApp no número (51) 99916-8959.
- Pessoas físicas também podem ter o imposto de renda abatido auxiliando com valores em dinheiro a Acergs ou direcionando uma quantia ao Pedal da ACERGS.
- Voluntários dispostos a atuarem como batedores ou guias nos passeios devem entrar em contato com os números acima para obterem maiores informações.
- A Associação Pedal da Inclusão, que tem Rita Siminovich como uma das coordenadoras, faz eventos inclusivos com uso de bicicletas, porém, o foco não é direcionado somente aos deficientes visuais. Há eventos com bicicletas tandem e veículos adaptados para deficientes físicos com cadeira de rodas.