O poder do Natal de gerar paz, harmonia, congraçamento e união será colocado diante de uma dura prova neste ano. Menos de dois meses depois de encerrado o período eleitoral, muitas famílias brasileiras continuam divididas pelas brigas cruentas que foram a marca da campanha, e nem mesmo o espírito natalino oferece garantias de reconciliação.
Matheus Vargas, 24 anos, formado em Recursos Humanos, por exemplo, só aceitou participar da celebração na casa de uma tia, em Canoas, depois de certificar-se de que a ala bolsonarista da família não estaria presente. Ele rompeu com outra tia, que mora em São Gabriel, e com uma série de parentes, incluindo vários primos.
— Perguntei à tia de Porto Alegre se essa outra tia ia vir, porque se ela viesse eu não participava do Natal. Ela não vem, e só por isso vou participar — anuncia Matheus.
A história dele foi retratada por GaúchaZH em uma reportagem sobre os conflitos eleitorais publicada entre o primeiro e o segundo turno. Na ocasião, Matheus havia bloqueado no Facebook mais de 20 eleitores de Bolsonaro e estava em pé de guerra com parte da família, mas ainda se mostrava aberto a uma possível reconciliação com os parentes. Desde então, diz que as relações se deterioraram ainda mais, e que as esperanças de paz evaporaram.
— Na verdade, só piorou. O Bolsonaro ganhou, e minha tia continuou fazendo posts agressivos no grupo da família. Daí eu me senti agredido e resolvi excluí-la. Não é porque está na minha família que vai estar nas minhas redes sociais. Ela não gostou e mandou um áudio no grupo me agredindo verbalmente. Fiquei sabendo pela minha mãe. Até tentei entrar em contato com ela, mandei um whats explicando meus motivos, que não tolero nenhum tipo de preconceito. Mas infelizmente não entra na cabeça dela, ela continua a agressão, falando que eu sou a favor de corrupto, que o meu presidente está preso — conta Matheus.
Ainda longe de uma reconciliação
O Natal é uma data importante para o jovem, uma festa para a família estar junta, mas, desta vez, sente-se aliviado de que isso não vá acontecer:
— Depois de todas essas desavenças, não vai ter clima. A família meio que se separou. Ficaram Interior e Porto Alegre separados, bem repartido.
É triste. Mas não vai ser no Natal que isso vai se resolver. Não falo nunca, porque é muito pesado, mas é bem difícil ter retorno.
Uma moradora de Canoas de 23 anos, formada em Jornalismo, vai passar o Natal com os parentes com quem brigou, mas também não acredita em deixar os desentendimentos para trás.
A jovem, que pediu para não ter o nome divulgado, brigou com o tio, com os padrinhos, com as madrinhas, com uma prima, com a avó e com o pai – que chegou a expulsá-la de casa após uma discussão. Depois, pressionado pela mulher, o pai desculpou-se e pediu que a jovem voltasse para casa. Quando a discussão explodiu, os dois estavam havia dois meses sem se falar, também por causa do rancor eleitoral. Ainda hoje as conversas não têm naturalidade:
— Agora ele finge que nada aconteceu, e não podemos mencionar nada de política um perto do outro. Mas eu não consigo fingir que nada aconteceu. Ele me ignorou por dois meses, por bobagem, e me expulsou de casa. Então não está bem resolvido. Foi varrido para baixo do tapete. Não vai se resolver. Vai seguir nessa tensão. A gente fala sobre comida e filmes. E deu.
A briga com os parentes começou no Facebook, e ela acabou excluindo metade da parentela da rede social. Na noite do dia 24, no entanto, todos vão estar à volta da mesma mesa para a ceia de Natal.
— Eu acho que a galera vai se juntar e comer. E eu provavelmente vou fingir demência e não conversar com quase ninguém. Então não vai ter reconciliação nenhuma, pelo jeito. Tipo, eu não vou ignorar a galera, mas conversar sobre fazer as pazes, também não — conta a jovem.
GaúchaZH ainda tentou conversar com um petista que havia prometido cortar relações com parentes que votassem em Bolsonaro. Entramos em contato com o seu irmão, e a resposta indica que serão necessários mais do que um Natal para as famílias voltarem às boas:
— Não estamos mantendo contato. Ele me ignorou, assim como também ignorou meu outro irmão. Deixei quieto. Ele é petista, assim como eu era, mas achei que seria uma boa uma troca no governo, mas ele não aceitava, pois Bolsonaro é tido como linha dura. Uma pena, mas fazer o quê? Também fui cortado das relações com vários primos petistas. Mas quem sabe um dia a gente volte a conversar?