Uma coisa que não muda é o Natal ser a festa da família. Mas as famílias mudaram, e isso afetou o Natal. Arranjos familiares mais flexíveis e novas realidades sociais complicaram a tarefa de reunir todo mundo que importa para a comemoração.
O empresário Dulcimar Zaparoli, 51 anos, por exemplo, tem quatro filhos de três mulheres diferentes. Eles passam o feriado com as respectivas mães, então o pai precisa buscar uma alternativa para também celebrar a data com toda a filharada reunida. Todos os anos, dias antes do Natal, ele promove um encontro com João Pedro, 21 anos, Isabela, 20 anos, e os gêmeos Eduardo e Manuela, de 14 anos. Às vezes, uma ou mais das ex-mulheres também comparecem.
Neste ano, a festa teve de acontecer com bastante antecedência. Zaparoli realizou a celebração no sábado passado, 10 dias antes do Natal, em sua casa na zona norte de Porto Alegre. Fez um churrasco para a atual namorada e três filhos. Para Isabela, preparou uma refeição vegana.
— Eles moram com as mães e, no Natal, a preferência é das mães. Negocio a data e faço a junção bem antes, para dar tempo, porque cada um tem as suas festas, as suas atividades, os mais velhos já namoram. Uns dias antes do Natal, passo nas casas deles, dou uma lembrancinha, mas acho importante juntar todos os filhos, fazer essa integração — afirma Zaparoli.
Na noite do dia 24, o grupo que se encontrou no sábado passado vai estar festejando em locais diferentes. Zaparoli ficará com a família da namorada. João Pedro diz que se reunir com os parentes da mãe “é de lei”, mas ainda está incerto com relação ao dia 25. E agora há também a questão da namorada, que deve viajar a Erechim, para ficar com a família.
O jovem considera as relações da sua família “muito bacanas”:
— Para ter uma noção, esses tempos teve janta beneficente em que foram meu ex-padrasto com a namorada, a minha mãe com o namorado e meu pai com a namorada. É uma relação aberta, amistosa.
Isabela também estará com a família da mãe, que tradicionalmente organiza a festa de Natal em Areias Brancas, no Litoral Norte. Os gêmeos, Manuela e Eduardo, certamente estarão com a mãe, a bancária Luciane Rossi, 44 anos, mas ela ainda não definiu onde vai ser.
Luciane e Zaparoli separaram-se quando ela estava no final da gravidez dos gêmeos, mas sempre mantiveram uma relação muito amistosa, que se estende às mulheres com que o empresário teve filhos. Ela costuma dizer que tem uma família nada comum.
— Nós fugimos do padrão, que é ter problema e conflito. Todas as ex-mulheres se dão. A gente se conhece, se fala, frequenta a casa um do outro, porque cada relacionamento aconteceu em um momento diferente e não teria porque comprometer a amizade. O Natal é um período que tem como principal motivo unir as famílias, e procuramos seguir esse princípio da data, que é a união — diz Luciane.
Zaparoli, que por conta dos vários relacionamentos tem experiência de passar o Natal em muitas e variadas famílias, oferece a sua receita para manter laços amistosos com todo mundo:
— É só não contestar muito as coisas, ser um pouco manso e saber levar.
Reunião prévia para acertar agenda e expectativas
No caso da relações públicas de Porto Alegre Juliana Silveira, 39 anos, uma reunião teve de ser realizada ainda em novembro, em Santa Maria, para que se definisse a logística do Natal familiar. O primeiro casamento dela terminou há cerca de quatro anos, e a combinação com o ex-marido foi que os dois filhos – Joana, nove anos, e Joaquim, oito – cada vez ficassem com um dos pais nas festas de fim de ano. Em 2018, os irmãos vão estar na semana de Natal com a mãe e na semana do Ano-Novo com o pai.
Acontece que Juliana voltou a se casar, com Leandro Custódio, um empresário de Santa Maria, e a família passou a ter duas casas, uma lá e outra em Porto Alegre. Agora, eles tiveram um bebê, Antonella, oito meses – com quem os avós dos dois lados querem estar. Tudo somado, com vários interesses emocionais em jogo, ocorreu a tal reunião de novembro, para acertar os ponteiros.
Ficou combinado que virá todo mundo para a casa de Juliana em Porto Alegre – que providencialmente tem cinco quartos, para acomodar a parentela. Na sexta-feira, já chegaram para ficar todo o feriadão seis familiares de Custódio, em dois carros. Os pais de Juliana, por sua vez, tiveram de abrir mão da tradição de passar o Natal na praia.
— É uma função. Estamos vivendo o Natal desde o dia 1º — conta a anfitriã.
Para Joana e Joaquim, os filhos do primeiro casamento da relações públicas, há ainda o que ela chama de “pré-natal”, que é a comemoração com o pai e a família dele, basicamente um jantar com troca de presentes.
Nos anos intercalados em que Joana e Joaquim ficam com o pai, é Juliana quem tem de fazer o pré-natal. E não um, mas dois:
— Faço nas duas cidades, para as duas famílias. Um pré-natal no final de semana anterior em Santa Maria, com a família de lá, e depois um outro durante a semana com os meus pais, em Porto Alegre, para eles também darem os presentes às crianças.
Burocracias, adaptações e calendário próprio
Na família da psicóloga Stela, a ceia de Natal deste ano vai acontecer só em 29 de dezembro. É quando ela conseguirá estar em Porto Alegre com o filho de 12 anos. Eles moram em Toronto, no Canadá, e de certa forma estão presos lá. Todo ano Stela enfrenta uma tensa negociação para poder estar com a família no período de festas.
— Sinto muita saudade da minha família, dos meus amigos, do meu país, da minha cidade. Após todos esses anos, digo que nada substitui poder estar perto da nossa família e das nossas origens — diz ela.
Natural de Porto Alegre, Stela mora em Toronto desde 2006 e casou com um canadense. Em 2014, divorciou-se e começou a ter problemas para sair do país com o filho. O ex, segundo ela, não cria facilidades para que visitem o Brasil – a psicóloga já teve até de recorrer à Justiça para obter autorização de viagem.
— Pelo estatuto da criança daqui, a criança só tem o direito de se expressar e de fazer suas escolhas com 14 anos. Gostaria de ir ao Brasil com mais frequência, mas mesmo para viajar no Natal é um processo bastante complicado. É uma maratona emocional: papelada burocrática, discussão sobre datas, tempo de permanência no Brasil. Enfim... é tudo dente por dente e olho por olho — conta ela.
Quando GaúchaZH falou com Stela, dias atrás, as passagens já estavam compradas, mas ela continuava tensa, à espera da autorização de viagem que o pai de Rio havia prometido mas ainda não havia entregue. No ano passado, conforme a psicóloga, ele entregou o papel apenas no dia do embarque. Stela afirma que só relaxa quando está dentro do avião.
O acerto foi que mãe e filho só deixariam Toronto depois do Natal, no dia 28, o que impactou nos festejos da família em Porto Alegre – o que inclui um irmão que virá de São Paulo, por exemplo.
— Na nossa situação, fazemos as datas comemorativas quando é possível estar juntos. Precisamos nos adaptar e fazer o nosso próprio calendário — diz Stela, que espera ansiosamente que o filho complete 14 anos, o que permitiria a volta em definitivo para o Brasil.