Por Carlos Alberto Gianotti
Professor de Física e editor
(...) os homens não são criaturas gentis que desejam ser amadas e que, no máximo, podem defender-se quando atacadas; pelo contrário, são criaturas entre cujos dotes instintivos se deve levar em conta uma poderosa cota de agressividade.
SIGMUND FREUD
Em "O Mal-estar na Civilização" (1930)
Sectários, assim como passionais e neuróticos, quando agem ou manifestam suas opiniões, nos limites de seus sectarismos, paixões ou neuroses, o fazem de forma facciosa. Poder-se-ia considerar que ações e elocuções de quem comporta uma dessas condições têm uma essência obtusa.
Nos desagradáveis tempos atuais brasileiros, temos convivido com manifestações sectárias dos dois grupos (supostamente) ideológicos opostos que se enfrentaram no segundo turno das eleições presidenciais. No elevador, no balcão da farmácia ou do pub, no lotação, no local de trabalho, nos ambientes e nas redes sociais notam-se os falatórios vazios com consequentes discussões acirradas, ao fim inúteis, sobre legitimidade da última eleição, posições fascistas ou não de A ou B, volta da ditadura militar, privatizações, Escola sem Partido – tema tolo em sua origem –, Sergio Moro, Lula preso político, tiro na cabecinha, misoginia, enfim, um rosário de assuntos sobre os quais, se bem pensado, o comum dos mortais distante da real arena política não poderá enunciar qualquer afirmação consistente e próxima ao veraz.
Por ser impossível prever futuro, estes tempos devem ser de espera para se ver, serenamente e com ótica plural, o que virá, quando vier. E sobre o que virá, como está a acontecer enjoativamente nos dias de hoje, apenas se expressam conjecturas ou desejos, ou detrações, conforme o vago ideário de quem conjectura, dentro dos limites de seu sectarismo, passionalismo ou neurose. Acaso já não terá o leitor ouvido na conversa com algum conhecido, a assertiva expressa com ar de preocupação e em tom mais baixo e profético: “Virão tempos difíceis!”? Ou: “Agora eles vão ver o que é bom!”? São as irrazões de criaturas obcecadas.
Mas em meio a tal algaravia encontram-se aqueles, como eu, os absenteístas, que absolutamente não são, como se costumava dizer no meu tempo de política estudantil, anos 1960, alienados: são apenas pessoas, a princípio, cansadas e descrentes das patranhas dos agentes políticos e, agora, exauridas, aborrecidas com o lero-lero rixoso daqueles dois grupos facciosos. São os indivíduos que, guardando rigoroso distanciamento crítico, calam e fazem ouvidos moucos diante das arengas de cunhos ditos “políticos”, ao mesmo tempo em que padecem diante de tantos saberes e certezas dos raivosos debatedores pós-verdade.
Alguém poderá argumentar severamente: “Mas e a cidadania?! O cidadão tem o dever de participar da vida política, de opinar e de, se necessário, lutar por seu ideário.” E eu pergunto a esse alguém: “Por quê? Onde está prescrito esse ‘dever cidadão’, a não ser na mente dos próprios indivíduos que asseveram tal injunção bem comportada e de fundação romântica?”.
Esses absenteístas acreditam que os tempos serão os que vierem e como se concretizarem – a vida é vivida em meio a contingências – e que as discussões sobre se Lula é ou não preso político, se a escola deve ou não ser sem partido (sic), se na TV holandesa o Brasil foi objeto de zombaria porque elegeu o presidente que elegeu, se o futuro ministério é de direita, se é um mal ou um bem eliminar tal ou qual ministério, se os intelectuais são a favor disso ou daquilo constituem desinteligências pouco inteligentes, além de absolutamente desimportantes para o cidadão da fila do ônibus. Volto: este é um tempo de aguardo. Todavia, enquanto aguardamos, precisamos saber onde devemos, nós, os absenteístas, nos albergar para ficarmos imunes a essa verborragia absolutamente inútil.