A decisão da Grã-Bretanha (formada por Inglaterra, País de Gales e Escócia, sem a Irlanda) de proibir a venda de filhotes de cães e gatos com menos de seis meses em pet shops teria grande efeito se fosse replicada no Brasil. Não há lei nacional regulando tempo mínimo de vida para venda – apenas propostas de lei no Congresso. Em Porto Alegre, há uma versão mais branda: na Capital, venda e adoção só são permitidas para filhotes de cães e gatos com mais de 90 dias.
A Lei Municipal 694/2012 determina três meses de espera para assegurar o desmame e a vacinação dos filhotes, explica o técnico da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Smams), Luciano Pandolfo. Em Porto Alegre, também é proibido comercializar animais doentes, expor bichos em vitrines externas de pet shops (daquelas que ficam na rua) e vendê-los em feiras de artesanato e de antiguidades. Feiras para venda de pets devem obter autorização da prefeitura e os bichos só podem ficar expostos no máximo por cinco horas ao dia. A multa para infrações varia de R$ 80 a R$ 20 mil.
— A pet shop pode vender, mas não em vitrine, porque as pessoas ficam batendo no vidro e isso causa estresse. Os animais também não podem ficar em áreas de grande circulação, como um corredor grande no meio da loja. Com filhote de menos de 90 dias, se for pego pela prefeitura, o estabelecimento será autuado — diz Pandolfo, da Smams.
No Rio Grande do Sul, o Código Estadual de Proteção aos Animais, criado em 2003, não aborda especificamente pet shops, mas proíbe a venda de animais para menores de idade desacompanhados. Já tramitaram projetos de lei na Assembleia Legislativa sobre o assunto, mas os textos serão arquivados com o fim da atual legislatura. O PL 89/2017 da deputada Regina Becker (PTB), por exemplo, pretendia atualizar o Código de Proteção aos Animais e aumentar para 180 dias a idade mínima para a venda de animais.
Agora, medida parecida só pode tramitar se for sugerida por um novo deputado estadual ou se Regina Becker, que é primeira suplente, assumir o mandato no lugar de outro parlamentar. Ela diz que, caso volte à Assembleia, irá desarquivar o projeto.
— Foi um Código gerado com o trabalho de um ano e meio de reuniões semanais de biólogos, zootécnicos, veterinários e membros da Fundação Zoobotânica e do Ibama. Quando estava na Secretaria Especial dos Direitos dos Animais de Porto Alegre (Seda), víamos pessoas criarem animais e comercializá-los muito jovens. E recebemos inúmeras denúncias de animais que morriam em pet shops. Havia locais completamente inadequados, pessoas despreparadas, equipamentos ultrapassados, secadores de cabelo extremamente quentes, tosadores com lâminas inadequadas — diz.
Hoje, no Brasil, são mais de 132 milhões de animais de estimação, segundo dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A responsabilidade de fiscalização do comércio é dos municípios. A atividade representou, em 2017, 14% de todo o faturamento das pet shops brasileiras (R$ 4,66 bilhões), segundo dados do Instituto Pet Brasil, representante do setor.
A nível nacional, a resolução 1069/2014 do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) proíbe, em todo o país, venda ou doação de animais fêmeas grávidas ou daqueles que tenham sido submetidos a procedimentos proibidos pelo CFMV, como retirada de garra de gatos ou de caudas de cães. Os bichos à venda precisam ficar em local espaçoso (podem ficar juntos, mas precisam poder se movimentar) e estarem vacinados (uma das vacinas é a antirrábica).
Proibição do comércio divide opiniões
Nelo Marraccini Neto, vice-presidente de Comércio e Serviços do Instituto Pet Brasil, afirma que "não há maus-tratos a animais em pet shops". Ele diz que a decisão da Grã-Bretanha é pontual e não faz sentido em ser repetida no Brasil.
— Não podemos pegar um fato isolado e aplicar no resto do mundo. Há decisões que são tomadas e que depois não se mostram tão eficazes. No Brasil, a fiscalização existe. Sempre que você proíbe algo, cria-se um mercado paralelo, sem fiscalização. Aí, sim, surge um sofrimento geral. Se a pet shop vive de vender animais, como vai tratá-los mal? — diz.
A medida britânica, no entanto, é vista com bons olhos pela presidente da Associação Riograndense de Proteção aos Animais, Eliane Tavares.
— Eu acho excelente proibir a venda. É bom porque as pessoas já comprarão um animal castrado e vacinado, que estará livre de vir a óbito por várias doenças — avalia.
Na Câmara, proposta similar à britânica tramita desde 2015: o Projeto de Lei 3984, do deputado Goulart (PSD-SP), quer acabar com a venda de animais em pet shops. Se aprovado, o texto permitiria a venda apenas em criadouros próprios. No texto, o parlamentar defende que, “com relação aos filhotes levados para serem vendidos nas lojas, o confinamento prolongado em tão tenra idade representa um grande sofrimento, onde eles não podem praticar sua principal atividade, que é brincar, correr, pular, mordiscar e arranhar”. A tramitação do PL está parada desde 2016.
No Senado, o Projeto de Lei 358/2018 de Rudson Leite (PV-RR) quer proibir o comércio de animais de estimação na rua e fora de lojas autorizadas para este fim. A ideia é inibir a venda em pequenos cercadinhos em parques, em caixas em calçadas ou no porta-malas de carros. A proposta se baseia em decisão de um juiz que proibiu, em Brasília, a venda de animais em locais públicos. O PL tramita na Comissão de Meio Ambiente do Senado.
Na cidade de São Paulo, lei de 2007 proíbe que canis ou gatis vendam ou doem filhotes com menos de 60 dias. Os bichos também precisam ter microchip e nenhuma venda pode ser feita em praças, ruas ou outras áreas públicas. Presidente do Sindicato de Pet Shops do Estado de São Paulo, Leonardo Ambrosio diz que a maioria das empresas – administradas por médicos veterinários – concordou com as medidas na época de aplicação.
— Algumas pet shops, em geral administradas por comerciantes, foram contra porque a venda de animais representa bastante no orçamento. Mas, por outro lado, somos favoráveis, porque maltrata o animal ficar preso o dia inteiro. No fim, a grande maioria das pet shops aprovou — afirma.