Se existe um clichê do nerd, Luis Fernando Cardoso de Freitas, 33 anos, escapa bastante do estereótipo. Barbudo, magro e de cabelo comprido, faz yoga e atua como mecânico industrial em uma empresa de fumo. O primeiro contato com o repórter é curto: ele não poderia falar no momento porque vivia a viagem dos sonhos em São Paulo. Conferia a ComiCon Experience, o maior evento de quadrinhos, filmes e seriados do Brasil.
— Estava espetacular. Nunca tinha visto um evento tão grande — contou, após voltar ao Rio Grande do Sul. — Gosto da cultura pop e nerd e me aprofundo em histórias em quadrinhos. Coleciono há 20 anos. Aliás, sou colecionador, fico bravo se dizem que não sou, porque é muito tempo dedicado — ri.
As paredes do apartamento de dois quartos em que Luís Fernando mora em Santa Cruz do Sul, no Vale do Rio Pardo, são tomadas de pôsteres e quadros de super-heróis. Na sala de estar, uma estante de sete andares sustenta mais de 3 mil exemplares de HQs e mangás. Há ainda gavetas com títulos separados conforme a temática. As histórias mais frequentes são de super-heróis da Marvel, da DC Comics e da Vertigo (selo adulto da DC). É possível também encontrar narrativas orientais, como Lobo Solitário, Vagabond e Naruto. O mecânico divide o imóvel com a namorada e empresária Franciele Fischborn, 25, e o dócil gato Itto, batizado em referência a um dos maiores samurais da literatura japonesa, Itto Ogami.
— Não quero nem pensar em quanto gastei com HQs. Acho que um carro popular. Muita gente relaciona essa cultura com ser infantil. Mas os quadrinhos passam muitas mensagens formadoras de caráter. Gosto de ficar triste, contente e, por vezes, eufórico com uma cena de luta — afirma.
De acordo com a agência Sunbrand, os nerds amam tecnologia, cultura pop e têm tendência a serem antissociais. É uma tribo híbrida que curte games, jogos de tabuleiro, ficção científica, animês, mangás e HQs.
— Uma pessoa nerd na geração baby boomer sentava na primeira classe, não tinha muita vida social e era tachada de forma depreciativa como CDF. Para quem é da geração X, com visão direcionada ao trabalho, surgiu o termo nerd, visto como inteligente e aplicado, que terá melhor performance. Para quem é Y e Z, ser nerd é ser geek: é ser cool, estar conectado à tecnologia e à cultura da época. Há uma pegada antissocial, mas não tanto quanto o CDF. São pessoas que preferem se agrupar com os seus pares, o que explica o sucesso de eventos de cosplay (quando pessoas se fantasiam de personagens) — diz Alex do Nascimento, da Sunbrand.
Muita gente relaciona essa cultura com ser infantil. Mas os quadrinhos passam muitas mensagens formadoras de caráter.
LUÍS FERNANDO DE FREITAS
Mecânico industrial, 33 anos
Luís Fernando não se considera tímido, ainda que tivesse poucos amigos na infância para compartilhar o vício em Turma da Mônica e, posteriormente, em super-heróis. Hoje, ele tem três tatuagens em referência à cultura nerd: um símbolo dos anos 1960 do Homem-Aranha; dois olhos de Sasuke, personagem do mangá e animê japonês Naruto; e a frase “music is my weapon” (música é minha arma, em tradução livre) em um idioma de extraterrestres que aparece na revista dos Vingadores, de Jonathan Hickman.
— Não existe mal que não seja curado com uma música que a gente gosta. A música é minha arma contra tudo o que faz mal — reflete.
Características por geração
Baby boomer: era CDF, visto de forma depreciativa e estereotipada.
X: passa a ser chamado de nerd, com uma carga menor de preconceito em relação a seus antecessores.
Y: visto como geek, sente-se orgulhoso dos gostos em relação à cultura nerd.
Z: com a popularização de séries, quase não sofrem preconceito.