Quando se apresentou formalmente com um sorriso no rosto, ele vestia avental e chapéu brancos sem qualquer mancha ou amassado. Manejava a panela com intimidade, em um fogão disposto sob uma coifa de metal enorme. Não foi, portanto, uma grande surpresa quando o contador Jorge Fernando Ferla, 58 anos, revelou o naipe do aperitivo que serviria às seis da tarde: Martini de camarão crocante. No fundo da taça de haste fina, sweet chili (molho de pimenta agridoce). Em uma segunda camada, folhas de manjericão, agrião e brotos de feijão. Na terceira, guacamole e pequenos camarões refogados. No topo, em vez de uma cereja, um imponente camarão empanado na farinha panko.
— Chego na cozinha e esqueço meus problemas. O músico vive do aplauso. O cozinheiro, da repetição — diz Ferla, cozinheiro amador que mora em Montenegro, no Vale do Caí.
O contador faz parte de uma tribo comportamental batizada de “gourmet” pela Sunbrand. São os apaixonados por gastronomia: na cozinha, entram em uma espécie de catarse onde a criatividade é exercida sem amarras. Adoram falar de comida e as viagens são planejadas com foco em onde sentar-se à mesa – algo que Ferla fez quando viajou, com esposa e amigos, para a região de Abruzos, na Itália, onde aprendeu o “verdadeiro” molho de tomate.
— Não é necessário ser chef de cozinha para ser gourmet — diz Alex do Nascimento, da Sunbrand. — Ele pode gostar de vinhos ou de cervejas artesanais, fazer turismo gastronômico, participar de confrarias… Pode, ainda, não cozinhar nada, mas ser um apreciador. Os gourmets são, em suma, apreciadores.
Eu chego na cozinha e esqueço meus problemas. O músico vive do aplauso. O cozinheiro, da repetição.
JORGE FERNANDO FERLA
Contador, 58 anos
O gourmet se exibe de forma diferente conforme a idade. Quando é mais velho, como é o caso dos baby boomers (e de Ferla), a conta bancária mais gorda permite frequentar restaurantes requintados, comprar ingredientes de outros países, adornar a cozinha com finas panelas de inox. Os mais novos, com a carteira mais vazia, vão para a frente do fogão, ainda que no preparo de pratos menos chiques.
Por muito tempo, Ferla não sabia nem cozinhar um ovo. A situação vergonhosa mudou quando foi convidado para entrar no União Cooks, uma confraria gastronômica exclusiva para homens no Grêmio Náutico União, em Porto Alegre. Quando se reúnem, nada de comilança. Os pratos são servidos à francesa, cada qual com até 150 gramas. O importante, aqui, é desfrutar da experiência. Cada membro domina uma especialidade (tailandesa, italiana, árabe…).
GaúchaZH acompanhou o preparo do Martini de camarão empanado na cozinha do União Cooks. Ferla estava acompanhado por cinco amigos, com idades entre 50 e 70 anos. A trupe falava de comida com a mesma empolgação com que gaúchos falam do Gre-Nal. A competição é proibida – mas a corneteada é livre. O mais debochado era o fotógrafo carioca Walcyr Mattoso, 58 anos (“minha mãe me motivou a cozinhar porque ela cozinhava muito mal”). Para ele, depois de virar gourmet, não há volta: quem cruza a fronteira, fica chato com tudo o que come.
— Pagar caro é quando você gasta muito e não vê retorno naquilo que pediu. Eu vou é em restaurante com comida que eu não saiba fazer. Porque quem cozinha lá em casa sou eu. Minha mulher não sabe nem a cor do fogão — brinca Mattoso.
Características por geração
Baby boomer: participa de cursos de gastronomia em grupo e exibe o conhecimento em eventos para os mais próximos. Gasta com ingredientes e utensílios de qualidade.
X: reúne-se com os amigos para fazer oficinas específicas de sushi, churrasco ou bebidas.
Y: cozinha a própria comida do dia a a dia com receitas vegetarianas ou veganas.
Z: cozinha por brincadeira, para satisfazer um desejo específico por um alimento.