Especialistas acreditam que a Lei do Bom Motorista estimula os condutores gaúchos a dirigir com cautela e que sua extinção, desejada pelo governo do Estado, pode fazê-los relaxar nos cuidados com o trânsito. Em vigor desde 1999, a lei oferece descontos de até 15% no IPVA para quem não comete infrações.
O fim do desconto faz parte do plano de recuperação fiscal do Estado que o governador José Ivo Sartori apresentou no começo deste mês ao presidente da República, Michel Temer. Além de acabar com o prêmio para condutores exemplares, Sartori quer cobrar imposto de veículos com mais de 20 anos, hoje isentos. A intenção é ampliar o limite para acima de 30 anos. A estimativa é de que essas alterações reforcem o caixa do Estado em R$ 153 milhões em 2019.
Diza Gonzaga, da Fundação Thiago de Moraes Gonzaga, lamentou a proposta do governo:
— É uma pena. Não temos estudo ou estatística que mostre que essa premiação incide na diminuição de acidentes, mas com certeza estimula as pessoas a ter um bom comportamento no trânsito.
O chefe de comunicação da Polícia Rodoviária Federal no Estado, Alessandro Castro, ressalta que ser um bom motorista é uma obrigação de todo mundo, mas observa que isso nem sempre acontece e que mecanismo que pesam no bolso são eficazes em mudar comportamentos:
— A nossa preocupação é que a lei serve de incentivo a tomar cuidado, ajuda que o motorista dirija corretamente. A gente escuta muito nas ruas as pessoas falarem, com orgulho: "Não tomei nenhuma multa, vou ter desconto". Também já ouvi mais de um motorista que cometeu a primeira infração dizer: "Já perdi o desconto, então uma multa a mais ou a menos não faz diferença". O fim desse incentivo, que dependendo do carro significa um valor alto, é um agravante e pode levar a um aumento do descaso. Lamentamos que isso seja retirado.
O doutor em transportes João Fortini Albano, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), também entende, com base na observação, que o desconto é muito valorizado pelos condutores e que eles se esforçam para estar mais atentos no trânsito de modo a fazer jus ao abatimento. O especialista teme que, pelo menos num primeiro momento, a extinção da premiação ao bom motorista possa levar a um relaxamento na postura de respeito às regras de trânsito. Mesmo assim, diante da situação econômica do Estado, acredita que a medida é aceitável:
— Numa situação em que não há dinheiro para investir em segurança e em infraestrutura, acredito que a população vai absorver essa mudança, quando puder ver que se está fazendo alguma coisa com esses recursos. Diante do quadro das finanças, o Estado não se pode dar ao luxo de oferecer premiozinhos. Pode haver um relaxamento por parte dos motoristas, mas ninguém vai sair causando acidentes. Além disso, a lei era um incentivo adicional, porque as multas já servem para inibir as infrações.
Uma visão discordante vem do engenheiro especializado em trânsito Mauri Panitz. Para ele, a ideia de que o desconto torna os motoristas mais cuidadosos "é pura ilusão". Panitz afirma que a maior parte das infrações é cometida por desatenção, não por má fé:
— O governo está demonstrando que a intenção dele é faturar. Mas a lei não traz benefício para a sociedade. As pessoas não ficam procurando se comportar para ganhar desconto. O problema é que os motoristas são despreparados. E quem habilita os motoristas é o governo.
Para valer, o fim do desconto precisa ser aprovado na Assembleia Legislativa. A Secretaria Estadual da Fazenda informa que, neste ano, a Lei do Bom Motorista beneficiou 40,17% dos condutores (1.460.796) com um dos três níveis de abatimento. No ano passado, os beneficiados foram 41,67% (1.545.027). Com a extinção do desconto, a secretaria projeta uma arrecadação extra de R$ 50 milhões ao ano (mais um valor equivalente a este que vai para os cofres municipais).
Ainda segundo a Fazenda, 2.508.268 veículos, o equivalente a 39% da frota, foram isentos do IPVA em 2017. A proposta de cobrança do IPVA sobre veículos com idade entre 20 e 30 anos, com vigência a partir de 2019, representaria, em média, uma arrecadação extra de mais R$ 100 milhões ao ano (e outros R$ 100 milhões seriam repassados às prefeituras). A frota de veículos com esta condição, conforme dados do Detran, é de 1.203.546 veículos.
Quanto foi concedido de desconto pela Lei do Bom Motorista (R$)
2016 109.442.621,62
2015 133.818.508,51
2014 122.609.798,65
2013 106.005.437,79
2012 102.563.120,43
2011 90.499.758,84