A gurizada se alvoroçou já no primeiro convite, erguendo as mãos para garantir um lugar na brincadeira, logo na chegada à Associação de Cegos do Rio Grande do Sul (Acergs), no centro de Porto Alegre, na manhã desta sexta-feira (17).
— Tenho um desafio para vocês. Quem se arrisca a vendar os olhos? — provocou Maicon Tadler, 29 anos, coordenador de empreendedorismo e captador de recursos da entidade.
— Eeeeeu! — veio a resposta em uníssono.
Metade do grupo de alunos de 4º e 5º ano do Ensino Fundamental do Colégio Marista Rosário cobriu a vista com máscaras, enquanto os demais assumiram o papel de guias, funções que mais tarde seriam invertidas para que todos tivessem as mesmas vivências. Pelos corredores da sede da instituição, as crianças experimentaram um pouco da rotina dos deficientes visuais (definição que inclui pessoas cegas e com baixa visão). Alguns dos vendados começaram com passinhos vacilantes, erguendo os braços à frente, temendo quedas ou trombadas. Outros aceleraram desde a largada.
— Calma, você vai bater num poste! — alertou um menino a sua dupla.
— Quem está na minha frente? — perguntou outro, mexendo nos cabelos do colega.
— Esquerda, direita, esquerda, direita — orientava um terceiro.
Quando alguém parava, provocava um pequeno engavetamento na fila. Os mascarados se tocavam, passavam as mãos nas paredes.
— Quem é você?
— O que que tem aqui?
— Tá me dando dor nos olhos essa venda!
A excursão à Acergs integra um projeto desenvolvido ao longo do ano na escola, em que estudantes se mobilizaram para coletar tampinhas plásticas a serem trocadas por bengalas. O objetivo inicial era angariar 60 quilos de plástico para comprar um acessório, mas com o engajamento de um número cada vez maior de turmas a campanha explodiu: com quase meia tonelada de tampas, foram adquiridas oito bengalas. Membros da Acergs estiveram no Rosário para conversar com os alunos, que apresentaram as mais variadas dúvidas: "Como vocês atravessam a rua?", "Vocês já se viram?", "Como vocês se imaginam?", "Porto Alegre está preparada para os deficientes visuais?", "Como vocês pegam ônibus?".
— Para o crescimento deles, essa aceitação da diferença deve estar presente. Eles têm que estar preparados para isso — acredita a professora Kamila Peres Costa, 29 anos.
Um dos pontos que mais surpreenderam os alunos durante a visita desta sexta foi a sala de Atividades da Vida Diária, com móveis, eletrodomésticos e utensílios de uma casa comum, onde pessoas que perderam a visão podem reaprender tarefas cotidianas básicas, como servir a mesa, lavar e estender roupas, guardar peças no roupeiro, arrumar a cama. As crianças também conheceram uma bola de futebol com guizo dentro, um tabuleiro adaptado de xadrez – com pequenos furos para prender as peças –, uma máquina de escrever e uma impressora em braile.
O atleta William Moura, 19 anos, e Maicon, ambos com baixa visão, demonstraram alguns golpes de judô e apontaram diferenças em relação à prática convencional do esporte. Maicon explicou: é preciso aprender a cair no tatame para não se machucar. Mas o alerta não impediu que a turma levasse sustos com o alto ruído provocado pelos tombos.
— Se cair direitinho, não tem problema — tranquilizou-os Maicon.
— E se cair , você morre? — questionou Rafael Parisi, 11 anos, provocando risos.
Com o passeio se encaminhando para o fim, os estudantes expressaram seus sentimentos e as dúvidas que ainda persistiam.
— Imagina os que só têm a bengala e não têm ninguém para orientá-los. Eles podem ser enganados quando lidam com dinheiro — compadeceu-se Ítalo Pereira, 10 anos.
— Acho que a vida do cego é muito difícil. Ele não sabe onde estão as teclas do computador, não sabe onde está a torneira da pia e, na hora de pegar dinheiro no caixa eletrônico, pode apertar o botão errado. Ele tem que memorizar muita coisa! — espantou-se Victória Schimitt, 10 anos.
Júlia dos Santos Stock, 10 anos, confessou ter sentido medo quando, com os olhos tapados, não pôde enxergar o que estava acontecendo. Maicon fez uma comparação entre quem participou do experimento e os deficientes permanentes.
— É o que nos deixa mais tristes. Todos que têm deficiência gostariam de poder tirar a venda e voltar a enxergar, mas isso não é possível — lamentou.
Giordano Colle Trevizan, nove anos, mandou um recado à repórter pela profe: também gostaria de conceder uma entrevista. Chamado a falar de suas impressões sobre a visita, revelou achar que a vida dos cegos é triste.
— Tem muitas coisas que eu gosto que é preciso ver, tipo olhar paisagens em viagens — exemplificou.
Perguntei que outras atividades ele aprecia para os quais a visão é fundamental. Ele pensou por uns segundos e ignorou minha questão ao responder:
— Mas tem coisas essenciais que a gente não precisa ver, tipo amar.
Acergs em dificuldades
A Associação de Cegos do Rio Grande do Sul (Acergs) está enfrentando dificuldades financeiras. Depois de ter perdido dois convênios, a receita da instituição sofreu uma redução de 90%. Quem estiver interessado em fazer uma contribuição em dinheiro (preferencialmente) ou doar materiais de limpeza ou de escritório pode entrar em contato pelo telefone (51) 3225-3816. A entidade fica na Rua Vigário José Inácio, 433/6º andar.