A Fundação Abrinq divulga nesta terça-feira (10) os resultados de uma pesquisa que pretende apontar a situação do Brasil quanto aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), uma agenda internacional para 2030 que pretende erradicar a pobreza, reduzir desigualdades e os impactos das mudanças climáticas. A publicação A Criança e o Adolescente nos ODS – Marco Zero dos Principais Indicadores Nacionais, da Abrinq, reconhece a importância de crianças e adolescentes no cumprimento dessas metas e, por isso, deteve-se a analisar os objetivos que contêm objetivos e indicadores relativos à infância.
Nesta etapa do trabalho, um dos focos do estudo foi o ODS 4, que propõe assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade, com oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos. O outro objetivo avaliado foi o ODS 8, que promove o trabalho digno e o crescimento econômico, com a meta de, até 2025, erradicar o trabalho infantil.
Neste quesito, o Rio Grande do Sul apresentou um dado preocupante. O Estado figura entre os cinco piores índices, sendo superado apenas por Piauí e Sergipe em percentual de população entre cinco e 17 anos com alguma ocupação, remunerada ou não. Em 2015, 5.134 mil "trabalhadores" com idade entre cinco e nove anos e outros 33.747 entre 10 a 14 anos. Somados, representavam 38.881 crianças e jovens nessas condições.
Quando analisa-se a concentração dos ocupados entre cinco e 17 anos pelas regiões do país, o Sul assume a liderança, tendo 6,2% das crianças e adolescentes desempenhando alguma atividade. As proporções mais próximas desse valor são as verificadas nas regiões Centro-Oeste (5,4%), Norte (5,3%) e Nordeste (5,1%). A média nacional fica em 5%. A avaliação da Abrinq considerou dados de indicadores oficiais, como da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e do Censo 2010.
— A região Sul, de modo geral, sempre apresenta índices positivos quando falamos de algum indicador de vulnerabilidade, mas o trabalho infantil, infelizmente, é uma exceção. E, entre as crianças de cinco a nove anos, o trabalho na agricultura familiar é a principal ocupação — diz Heloisa Oliveira, administradora executiva da Fundação Abrinq.
Coordenadora de Fiscalização do Trabalho Infantil e Aprendizagem no Rio Grande do Sul, a auditora fiscal Denise Brambilla González acredita que parte desse número esteja relacionado ao trabalho de jovem aprendiz, no qual o Rio Grande do Sul é um dos Estados com maior número de contratos desse tipo.
— Não quer dizer que não tenhamos trabalho infantil. Temos as culturas italianas e alemãs que apresentam esse tipo de problema por questões culturais, mas pode haver discrepâncias por conta desse alto volume de aprendizagem de jovens. Não temos focos de trabalho infantil. Não temos uma situação como Roraima, por exemplo, onde há muitos venezuelanos trabalhando para sobrevivência — comenta Denise.
Para a executiva da Abrinq essa possível discrepância não derrubaria o percentual de crianças trabalhando no Estado, já que, reforça, os dados da Pnad que serviram de base à publicação da Abrinq consideram apenas informações das famílias das regiões metropolitanas e não do interior, onde há utilização da mãos de obra infantil na agricultura familiar, realidade bastante observada também em Santa Catarina e Paraná. Heloisa aposta que o número seja até maior.
Grupo de 15 a 17 anos predomina
Em relação à idade dos indivíduos ocupados, há predominância do grupo dos 15 aos 17 anos, sendo as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste as que possuem mais de três quartos do universo dos ocupados pertencendo a essa faixa etária. No Norte e Nordeste, em média, 27,6% dos ocupados têm entre 10 e 14 anos de idade; ainda que não componha a maioria dos ocupados, esse grupo etário, nessas regiões, responde por aproximadamente um quarto das pessoas desempenhando alguma atividade laboral. Essas duas regiões também apresentam as maiores concentrações de pessoas entre cinco e nove anos ocupadas do país, com 3,8% delas pertencendo a esse grupo na região Norte e 4,3% na região Nordeste.
Para a presidente executiva do Movimento Todos Pela Educação, Priscila Cruz, ainda que os dados considerem contratos de aprendizagem de jovens, eles devem ser olhados com muita preocupação, especialmente porque, no Brasil, os programas deste tipo costumam ser deturpados por boa parte das empresas.
— Não é ser contra a ideia do jovem aprendiz, mas isso significa muitas vezes um empregado precário. É um estudante, um jovem que tem cobrança de resultados, quando, na verdade, as empresas deveriam proporcionar complemento aos estudos da sala de aula. A maioria deturpa esse tipo de serviço formativo. Não somos contra projetos de jovem aprendiz, mas é preciso mudar a relação das empresas do brasil com a educação — afirma.
A divulgação desta terça é a segunda se uma série de quatro publicações. A primeira ocorreu em julho e abordou o cenário do Brasil para atingir os objetivos 1,2,3 e 5. A próxima avaliação abordará os ODSs 6, 11 e 16. Os dados devem sair em novembro.
Em nota o Ministério do Trabalho ressaltou que os dados apresentados pela Fundação Abrinq mostram, segundo as análises, "um crescimento no número de crianças ocupadas na faixa de 5 a 17 anos, porém é preciso atentar que nesse dado estão incluídos jovens e adolescentes inseridos nos programas de Aprendizagem Profissional (Lei 10.097/2000), que tem como finalidade incluir esse grupo no mundo do trabalho de maneira protegida e qualificada, além de jovens maiores de 16 anos contratados regularmente."
O MT também ressaltou que, no Brasil, há uma demanda de inserção para 980 mil jovens e que já foram contratados 304 mil jovens na faixa etária de 14 a 17 anos pelas políticas de inserção, e outros 332 mil jovens maiores de 16 anos. A Lei 10.097/2000 determina que empresas de médio e grande porte devem contratar um percentual entre 5% e 15% de jovens com idade entre 14 e 24 anos como aprendizes.
A Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (Pnad) mostra uma redução no percentual do trabalho infantil no Brasil de 3,33% em 2014 para 2,67% em 2015.