Uma aula em um cenário incomum, mesclando história, cultura, geografia e religião, mobilizou alunos do 3º ano do Ensino Médio do Colégio Batista, de Porto Alegre, na tarde desta terça-feira (31). Circular por entre os túmulos e mausoléus do Cemitério da Santa Casa estimulou a imaginação e a reflexão.
– Eu queria poder me ver depois de morto. Eu queria estar no meu velório! – revelou Leônidas Machado, 16 anos, assim que o tour começou. – É o maior evento da vida – definiu.
A atividade foi a terceira e última parada de um projeto concebido pela professora de geografia Carla Rampanelli Demari, 37 anos, e desenvolvido ao longo do ano letivo. O objetivo era levar os estudantes para lugares pouco conhecidos – as visitas anteriores foram ao Hospital Colônia Itapuã e ao Hospital Psiquiátrico São Pedro –, valorizando o patrimônio e a identidade locais e desfazendo preconceitos.
– Tinha pais que não queriam que os filhos fossem a Itapuã porque poderiam pegar lepra e pais que não queriam que os filhos fossem ao São Pedro porque poderiam ser atacados por loucos – lembrou Carla. – A maioria dos alunos pensa em fazer intercâmbio e não conhece a cidade. Porto Alegre é uma cidade linda – justificou.
Conduzido por duas guias, o passeio deu destaque a personagens históricos – estão enterrados ali os políticos Otávio Rocha, Borges de Medeiros e Júlio de Castilhos, entre outros – e aspectos arquitetônicos. Diante de uma grande estátua em posição de um crítico observador, Paloma Czapla, 20 anos, estudante de História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), explicou à plateia:
– É o anjo do juízo final. Ele decide se a alma vai para o céu ou para o inferno.
Pela primeira vez em um cemitério, Nathalia Greff, 18 anos, disse acreditar em Deus, céu e inferno. A aula em um ambiente tão diferente a levou a pensar sobre a brevidade da vida.
– A gente tem que aproveitar enquanto está vivo. Tem que viver o agora. Tem que fazer a diferença hoje – concluiu Nathalia.
À frente da disciplina de Ensino Religioso, a professora Eliana Aparecida Lopes Gagg, 48 anos, vem promovendo discussões sobre a morte nos últimos meses. Receosa no começo, a turma agora já se mostra mais à vontade para abordar o tema. Um episódio da trajetória pessoal de Eliana, o falecimento recente de um amigo próximo, serviu como exemplo em sala de aula.
– Todos nós vamos passar pela morte. A perda é muito difícil para qualquer faixa etária – afirmou Eliana. – Tem que valorizar os momentos que você tem, dar um abraço no pai, um abraço na mãe – orientou.
Apesar da preparação, João Felipe Cirne Lima Petry, 17 anos, contou que a excursão foi desafiadora:
– Tem uma carga pesada por ser um cemitério. Tem milhares de pessoas que você não sabe o que passaram na vida. É difícil dizer o que é a morte, às vezes não é tão bom pensar nisso. É até aterrorizante.
Para Bianca Sanita, 17 anos, aspirante a fotógrafa que registrou a saída de campo com uma câmera, o belo dia de sol deu leveza ao programa.
– Achei que seria mais triste – avaliou.
Também houve espaço para descontração. Maravilhado com a imponência das construções e os detalhes intrigantes das esculturas que adornavam os jazigos – o grupou ouviu histórias como a dos leões adormecidos que despertariam no caso de alguém difamar a memória do habitante da sepultura –, um estudante brincou:
– Vou fazer um túmulo com uma churrasqueira em cima!
No sepulcro de Vitor Mateus Teixeira, o Teixeirinha, o tamanho da estátua do músico impressionou os alunos.
– Ele era anãozinho! – compadeceu-se uma adolescente.
– Ele tinha 1m61cm, a minha altura – comparou Juliana Mohr dos Santos, 32 anos, historiógrafa do Centro Histórico-Cultural Santa Casa.
Depois de duas horas, a visitação terminou no Campo Santo, onde são realizados os enterros gratuitos. A professora Carla enfatizou a marcante transição da suntuosidade da área da frente do cemitério para as covas simples, identificadas por cruzes numeradas, nos fundos.
– Até na hora da morte a gente tem a divisão de classes. A diferença é enorme, né? – apontou.