Em ebulição nas redes sociais, o novo feminismo amplifica a voz de quem cansou de ver as mulheres como meras coadjuvantes – inclusive na vida política nacional. A dúvida é como esse movimento, liderado sobretudo por jovens ativistas, vai repercutir nas urnas em 2018. A menos de um ano do início da campanha eleitoral, analistas e adeptas da causa reconhecem a força das manifestações recentes contra o machismo, mas são céticas em relação aos resultados nas próximas eleições.
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Redes sociais amplificam vozes feministas, mas o quanto a luta pela igualdade de gênero avançou?
Caso da banda Apanhador Só faz refletir sobre a prática e o discurso artístico
A primeira vez que uma candidata foi escolhida para um cargo executivo no Brasil foi em 1928. Aos 32 anos, a viúva Alzira Soriano assumiu a prefeitura do município de Lajes, no Rio de Grande do Norte, quando a totalidade das brasileiras sequer votava – esse direito só seria conquistado no país em 1932, e ainda assim com restrições.
De lá para cá, a participação feminina caminhou a passos trôpegos, entre avanços e retrocessos, até culminar na eleição de Dilma Rousseff para o Palácio do Planalto, em 2010. Embora o feito tenha se repetido em 2014, Dilma acabaria afastada da Presidência da República e seria substituída, em maio de 2016, por um homem e um ministério de engravatados. A completa ausência feminina no primeiro escalão provocou polêmica e foi alvo de críticas.
Naquele mesmo ano, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o Brasil assistiu a uma queda no número de prefeitas (de 659 para 641) e à redução da quantidade de vereadoras eleitas em 13 Capitais, incluindo Porto Alegre. No quadro geral, embora tenham representado 52% do eleitorado, as mulheres ficaram com apenas 13% dos cargos em disputa no país, contabilizando primeiro e segundo turnos. Hoje, elas são cerca de 10% da Câmara dos Deputados e 15% do Senado, percentuais que se mantiveram estáveis nos últimos anos.
Nem as cotas de gênero foram suficientes para derrubar preconceitos. Por lei, os partidos são expressamente obrigados, desde 2009, a reservar 30% das vagas nas eleições proporcionais (voltadas ao Poder Legislativo) para as correligionárias. O problema é que a regra descambou para a fraude. Em 2016, segundo o TSE, mais de 16 mil candidatas simplesmente não receberam votos. Na prática, a maioria delas foi usada como "laranja", apenas para preencher espaço.
Nada indica, na avaliação da cientista política Jussara Prá, coordenadora do Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre Mulher e Gênero da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que o cenário vai mudar em 2018. Autora do livro Mulheres, Feminismo e Ação Política no Brasil, a pesquisadora reconhece a importância de iniciativas recentes – como a que ficou conhecida pelo lema "mexeu com uma, mexeu com todas" –, mas diz que são insuficientes para reverter a percepção ultrapassada de que "política é coisa de homem".
– Sempre que temos uma tendência de aumento da participação da mulher, os números retrocedem. Tem sido assim nos últimos anos. Se há crescimento, é residual. A participação é estacionária porque ainda não conseguimos superar entraves culturais e estruturais. Isso envolve uma mudança de mentalidade e alterações concretas na legislação – sustenta Jussara.
A revolução comportamental está em curso e é visível nas ruas e na internet. Procuradora Especial da Mulher na Assembleia Legislativa, a deputada estadual Manuela D’Ávila (PC do B) conta que tem reunido entre 500 e 700 pessoas – a maioria meninas – em debates sobre educação sem machismo em diferentes regiões do Estado. Segundo ela, o mito de que "mulher não vota em mulher" está superado. Para Manuela, um dos principais embaraços à inserção dessa parcela da população na política é o sistema eleitoral excludente.
– A questão é: como as mulheres vão ampliar as chances de se eleger se elas mal têm acesso ao tempo de rádio e TV e ao fundo partidário? Não podemos esquecer que as siglas são presididas majoritariamente por homens. É muito difícil romper essas barreiras, e a situação vai ficar ainda pior se o Congresso aprovar o Distritão (sistema pelo qual são eleitos apenas os mais votados) – sintetiza a parlamentar.
A solução para o problema, defende Jussara, passa pela aprovação da paridade de gênero nos resultados eleitorais. Vários projetos sobre o tema tramitam no Congresso, entre eles uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) segundo a qual 30% dos assentos nas Câmaras e Assembleias devem ser ocupados por mulheres – originalmente, a PEC determinava 50%, mas o texto foi alterado para que tivesse alguma viabilidade. A matéria está pronta para análise na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania.
– Uma coisa é igualdade de oportunidades. Outra é igualdade de resultados. A chance de eleição é menor entre as mulheres. Ter 30% das vagas entre 513 deputados (hoje são 10%) significa abrir espaço para 153 ou 154 mulheres. O ideal seria conquistarmos a paridade, mas as legisladoras decidiram pedir menos para tentar conseguir alguma coisa. Mesmo assim, vai ser difícil – pondera Jussara.
Enquanto a discussão prossegue, as siglas começam a se organizar para as próximas eleições. Tanto à esquerda quanto à direita do espectro político, o capital eleitoral feminino tende a ser cada vez mais explorado. O Partido da Mulher Brasileira (PMB), que não se identifica como feminista nem com as bandeiras do movimento, é um exemplo disso.
– Em todo lugar, os partidos estão usando essa questão da mulher como estratégia política, inclusive os conservadores. Virou moda. Em 2018, vamos ver dois polos bem marcados, e eles vão se confrontar durante toda a campanha. Acredito que podemos ter um aumento do número de eleitas, mas, infelizmente, não vejo uma virada de viés progressista – afirma Bia Cardoso, coordenadora-geral do site Blogueiras Feministas.
A saída, para a escritora Clara Averbuck, que denunciou ter sofrido um estupro em um Uber durante a semana, é "ir para o front".
– Se as mulheres que estão falando em empoderamento nas redes sociais não tomarem a frente e não se meterem na política de fato, a situação só vai piorar. Isso significa ser candidata, meter a cara. A política é um reflexo da sociedade. E nossa sociedade é misógina. Para mudar isso, temos de ir para cima. Ficar no Facebook ajuda, mas não vai resolver a situação – conclui a ativista.