Por Angelo Brandelli Costa
Psicólogo, professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da PUCRS
O preconceito é uma atitude, ou seja, uma tendência psicológica a agir, pensar e sentir de forma a manter ou reforçar a inferiorização de indivíduos ou grupos simplesmente pelo fato de serem quem são. As pessoas são levadas a ter atitudes preconceituosas por viver em contextos nos quais essas atitudes não são combatidas. Em contextos nos quais o debate sobre a diversidade humana ainda não foi levado a cabo e institucionalizado na forma de proteção aos grupos vulneráveis.
Diversos grupos são objeto de reconhecimento e intervenções de forma a mitigar os tratamentos desiguais aos quais foram expostos, reparando injustiças históricas. Assim como ocorreu com imigrantes, judeus, mulheres e pessoas negras, foram os movimentos sociais que construíram, a duras penas, a visibilidade positiva de gays e lésbicas lutando pela igualdade, até pouco tempo concebida como impossível.
Portanto, a tarefa de uma sociedade que busca igualdade, liberdade e respeito à dignidade é o reconhecimento das diferenças que constituem a condição humana e da intolerância a essas diferenças como a matriz dos processos de preconceito.
Muitos críticos desse debate afirmam, por outro lado, que o combate ao preconceito atentaria contra a liberdade de expressão. No entanto, a possibilidade de expressão ela mesma é inviabilizada quando o preconceito tolhe a ascensão a espaços nos quais debates são travados e até a própria existência em casos de extrema violência. Ser mulher, negro ou negra, gay ou lésbica, não é o mesmo que manter uma opinião. Dessa forma, a natureza da proteção a grupos vulneráveis deve se dar sobre outra perspectiva: não se muda cor ou raça e orientação sexual como se muda de opinião.
Aliás, ao longo do século 20, mudamos diversas vezes de opinião. No início do século, pessoas que mantinham relações com outras do mesmo sexo eram tachadas de doentes, criminosas, merecedoras de tratamentos (muitas vezes coercitivos) e, em alguns casos, prisão. Mas boa parte dos países ocidentais já reconhece as expressivas evidências que apontam que a homossexualidade não altera a condição de normalidade, nem espécie humana, nem em outras espécies.
Digo isso para que se reconheça que a desigualdade é uma construção histórica. E a psicologia, assim como outras instituições, não desempenha um papel neutro nessa construção: ao contrário, ajudou a naturalizar essas desigualdades comuns na nossa cultura. Hoje, no entanto, trabalha para desfazê-las. Popularmente chamamos esse fenômeno de homofobia, lesbofobia ou bifobia, mas prefiro a ideia de preconceito contra diversidade sexual, uma vez que não se trata de uma evitação fóbica, e sim de um julgamento que mobiliza raiva e enfrentamento, motivado por construções sociais que hierarquizam a diferença sexual.
Os efeitos das atitudes preconceituosas, em suas vítimas, são inúmeros. Pesquisas realizadas por organizações não governamentais apontam para níveis altíssimos de homicídios de pessoas LGBTs no Brasil. O Banco Mundial, em um relatório em que reporta um modelo econômico para medir o custo da exclusão de minorias sexuais e de gênero do mercado de trabalho, estima perdas de bilhões de dólares anuais. O estresse cotidiano, fruto da discriminação sentida e mesmo antecipada, contribui imensamente para a prevalência elevada, entre gays e lésbicas, de sintomas como ansiedade, depressão e suicídio.
Porém, a despeito de todas essas evidências, o debate deve se dar não apenas por razões econômicas, de saúde, ou de bem-estar subjetivo (humanitárias). Trata-se de um debate de princípios: o preconceito não deve ser aceito no espaço público que se pretende democrático. É possível um casal gay frequentar uma festa de formatura e se comportar da mesma forma que um casal heterossexual sem ser agredido? O quão distante estamos desse ideal? Educação para diversidade é uma das principais estratégias a serem adotadas.