Los Angeles – A primeira coisa que Danielle Macdonald fez quando chegou a Cannes para o festival de cinema, em maio, foi suar frio: a companhia aérea tinha perdido sua mala.
Ela, que saiu da obscuridade como ilustre desconhecida para interpretar o papel principal no drama "Patti Cake$" e já estava nervosa porque enfrentaria o júri, ainda precisava achar a toque de caixa algo glamoroso para vestir na estreia do filme.
"Sendo cheinha, onde é que eu ia encontrar alguma coisa que me servisse?", ela me disse, não faz muito tempo. Sua história então tomou um rumo inesperado, revelando uma maneira toda própria de encarar Hollywood, que espera que todas as suas protagonistas sejam assustadoramente magras. "Disse a mim mesma que a situação era aquela, não havia outro jeito. Tinha que me virar."
A crise do tapete vermelho foi evitada (outra atriz do elenco, Cathy Moriarty, emprestou-lhe um vestido preto), mas se as experiências de um sem-fim de atrizes antes de Danielle servem de exemplo, não vai ser fácil superar os obstáculos que aguardam sua carreira pós-"Patti Cake$". Para as mulheres – e também para os homens, em menor escala –, o peso talvez seja o preconceito, entre muitos, mais teimoso da indústria do entretenimento. Tem um corpo comum? Ligue para a gente quando tiver morrido de fome.
Ela precisa principalmente evitar o ciclo que se repete infinitamente no cinema de ser o que os empresários maldosamente chamam de "a gordinha do momento": a atriz plus-size, quase sempre desconhecida, que abocanha o papel principal de um filme e faz sucesso com uma interpretação excepcional. É mantida em evidência pela imprensa e pelos produtores durante um tempo como prova de que finalmente a insistência do setor com as cinturinhas microscópicas está acabando.
Até que, aos poucos, vai sendo empurrada para os papéis coadjuvantes, muitos dos quais definidos pelo peso.
É o caso de Nikki Blonsky, que ficou famosa em 2007 na pele da corajosa Tracy Turnblad, de "Hairspray": o filme fez sucesso e ela foi indicada ao Globo de Ouro. Conquistou alguns papéis na TV ("Queen Sized", "Huge"), mas, em 2011, mesmo ainda fazendo testes, teve que apelar para a cosmetologia para poder pagar as contas. Depois de uma longa estiagem, ressurgiu no Festival de Cinema de Tribeca, em abril, com o drama independente "Dog Years", que ainda aguarda data de estreia.
A interpretação magnífica de Gabourey Sidibe em "Preciosa – Uma História de Esperança", seu primeiro filme, garantiu a ela uma indicação ao Oscar de Melhor Atriz em 2010, seguida de uma série de papéis secundários na TV ("Empire", "American Horror Story"). Entretanto, os trabalhos no cinema foram raros – até recentemente, quando foi aplaudida em uma participação especial como a empregada de "Irmão de Espião".
Rebel Wilson explodiu em "Missão Madrinha de Casamento", em 2011, e confirmou o sucesso em "A Escolha Perfeita", o que não significa que não tenha enfrentado obstáculos. Para este ano e o próximo, ela tem apenas um projeto: o terceiro filme da franquia, no qual reprisará o papel de Fat Amy.
"Geralmente os protagonistas têm um padrão físico idealizado e perpetuado por roteiristas, diretores e produtores, deixando pouco espaço para um retrato mais inovador. O nosso objetivo maior é escolher um ator cuja aparência pouco convencional ou fora das normas não faça a mínima diferença para a história e/ou o personagem", diz David Rubin, diretor de elenco e membro da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas.
A falta de oportunidades em Hollywood para as "cheinhas", como Danielle diz, está cada vez mais fora de compasso com a cultura de modo geral. Afinal, elas estão longe de ser pouco convencionais, uma vez que 71 por cento dos norte-americanos acima dos vinte anos têm sobrepeso ou estão obesos, segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças. Há um movimento de valorização do corpo cada vez mais forte na internet, com as mulheres repudiando o fat shaming com vigor. No mundo da música, artistas como Adele, Nicki Minaj, Meghan Trainor, Beyoncé e Lady Gaga já se manifestaram sobre a aceitação do corpo.
Já o cinema, principalmente as superproduções, mostra pouco progresso na escalação das atrizes principais. A única exceção é Melissa McCarthy, que se tornou uma das estrelas mais rentáveis de Hollywood – e a certeza de que filmes como "A Espiã que Sabia de Menos" e "A Chefa" se tornarão campeões de bilheteria. Só que, em vez de abrir a porta para outros nomes, seu sucesso é visto pelos estúdios como uma anomalia.
"O pessoal que toma as decisões na hora da escalação do elenco realmente tem que abrir a cabeça em relação à interpretação dos papéis e isso inclui raça, gênero, sexualidade, capacidade física e tipo físico, que geralmente é deixado de fora das decisões", denuncia Melissa Silverstein, fundadora e editora do influente blog Women and Hollywood.
Enquanto isso, o que não faltam são histórias de horror sobre a ditadura da balança em Hollywood. Carrie Fisher disse, em 2015, que foi pressionada para emagrecer mais de quinze quilos antes de aparecer em "Star Wars: O Despertar da Força". Danielle Macdonald, que nasceu na Austrália e se mudou para Los Angeles em 2010 para seguir a carreira de atriz, revela que nota, sim, os olhares que recebe durante os testes.
"No começo, eu sentia vontade de dar uns tapas, mas acabei me acostumando rapidinho. Sei que estão apenas cumprindo sua obrigação. Não dá para levar para o lado pessoal", admite.
E prossegue: "Como não tenho a aparência estereotípica de estrela de cinema, muita gente me aconselhou a não vir para os EUA, que não devia nem tentar! Que ridículo. Sou realista – sim, eu sei que é pouco provável que um dia faça par romântico com o Chris Hemsworth, mas também prefiro acreditar que persistência e dedicação valem a pena".
"Patti Cake$" é o retrato de uma jovem confiante, mas o filme tem algumas cenas dolorosas relacionadas ao peso – como na sequência que acontece à noite, em um posto de gasolina mequetrefe de Nova Jersey, em que Patti entra em um desafio de rap com uns garotos que a provocam, chamando-a de "Dumbo".
A cena foi difícil de rodar porque o ator que interpretava o principal provocador, McCaul Lombardi, não conseguia disparar os insultos à colega. E ela precisou dar uma mãozinha.
"Eu disse a ele que tudo bem, que eram só palavras. Na verdade, foi um pouco mais complicado para mim do que deixei transparecer. Na vida real, jamais deixaria que uma coisa daquelas me incomodasse, mas tinha que permitir que me afetasse naquele momento porque minha personagem estava absorvendo aquilo."
O público dos festivais reagiu ao desempenho de Danielle com euforia: em Cannes, por exemplo, ela foi euforicamente aplaudida de pé. "Simplesmente sensacional", escreveu o crítico Todd McCarthy no Hollywood Reporter, em janeiro, quando "Patti Cake$" estreou no Festival de Sundance e a Fox Searchlight pagou US$10,5 milhões pelos direitos de distribuição.
Depois disso, a atriz voltou para Los Angeles para encontrar agências implorando para representá-la. Acabou assinando com a Creative Artists Agency, que a ajudou a faturar o papel principal em "Dumplin'", adaptação independente do livro de Julie Murphy sobre uma adolescente gordinha que entra em um concurso de beleza. (Jennifer Aniston interpreta sua mãe.) E também será vista em "White Girl Problems", comédia da Lionsgate sobre uma estrela das redes sociais que entra em reabilitação por causa das compras compulsivas.
"Isso para ela é só o começo", diz o produtor de "Patty Cake$", Chris Columbus. (Ele deve saber alguma coisa sobre talento, já que dirigiu os dois primeiros longas da série "Harry Potter".)
Por ter passado a infância nos subúrbios de Northern Beaches, em Sydney, Danielle já praticou muito esporte (pólo aquático, natação ginástica), mas, aos doze anos, começou a fazer aulas de dança, canto e interpretação nos fins de semana. "No começo, eu me escondia lá atrás e não abria a boca, até que um dia respondi uma pergunta e a professora disse: 'Viva! Ela sabe falar!'."
Logo depois, ela descobriu os replays de "Alias", a série dramática de ação da ABC com Jennifer Garner no papel de uma espiã.
"Foi a primeira vez que vi uma personagem feminina durona de verdade. Desde então, não consegui me ver fazendo outra coisa a não ser interpretar", conclui.
Por Brooks Barnes