A coordenadora do Museu de Ciências Naturais da Universidade de Caxias do Sul (UCS), Luciana Scur, se diz uma apaixonada pelos Campos de Cima da Serra. Não é à toa. Eles formam um sistema único no mundo. Representam uma situação rara e especial de associação entre formações florestais – de (mata de araucária – e formações campestres, explica.
A ambientalista diz que entende a situação dos agricultores de São Francisco de Paula, mas que as multas estão seguindo a legislação atual, cujas imposições Luciana se diz favorável. E explica:
– Acima de tudo, sou uma apaixonada pelos nossos Campos de Cima de Serra. O ritmo acelerado com que os campos estão sendo convertidos em lavouras ou silvicultura é preocupante. Apesar da enorme biodiversidade associada aos campos e destes serem uma formação vegetal importante tanto do ponto de vista biológico quanto cultural e econômico, sua proteção tem sido negligenciada, como se estes tivessem menor valor para conservação se comparados às florestas nativas. Mesmo que os proprietários autuados comprovem serem áreas rurais consolidadas, se o uso estava para o pastoreio, as leis privilegiam a continuidade, afirma Luciana.
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Mas há um ponto em favor do produtor no que defende a coordenadora. A diferença, segundo ela, é que, ao contrário das florestas, que quanto menor a interferência do homem, melhor a conservação, as formações campestres têm no pastejo e no fogo fatores relevantes de manutenção. No contexto evolutivo, os campos sofreram influência do fogo e da relação entre os animais e as plantas.
– A ausência do fogo, do pastejo e do pisoteio por herbívoros também favorece a invasão e o adensamento de plantas lenhosas, como arbustos, arvoretas e árvores, podendo levar, com o tempo, à substituição do campo por outro tipo de vegetação e ao consequente desaparecimento de espécies estritamente campestres – explica Luciana.
Para ela, a questão que está colocada neste momento para a sociedade é se queremos manter nossos campos como campos, ou vamos transformá-los em campos antrópicos (já alterados pela atividade humana), cultivos agrícolas e florestas plantadas.
Na opinião de Luciana, a vocação do campo é ser pastagem. E a pecuária extensiva é, reconhecidamente, uma atividade produtiva compatível com a conservação dos ecossistemas campestres.
– Fica aqui meu apontamento sobre a necessidade de políticas públicas que privilegiem a manutenção dos campos através do incentivo à manutenção da pecuária em detrimento a outras forma de uso – encerra.
O que diz a lei
Deflagrada pelo Ibama está baseada na Lei 11.428/2006. O texto estabelece que o corte, a extinção e a exploração da vegetação do Bioma Mata Atlântica devem ser feitos de maneira diferenciada, conforme o estágio sucessional da vegetação.
A ação também está fundamentada no novo Código Florestal, a lei 12.651/2012, que visa à proteção da vegetação nativa e determina que a supressão para uso alternativo do solo depende da autorização do Ibama.
Os Campos de Cima da Serra também estão protegidos pela Lei da Mata Atlântica (de 2006), que dispõe sobre a proteção de todas as formas de vegetação nativa, não incluindo as já ocupadas com agricultura, cidades, pastagens cultivadas, florestas plantadas ou outras áreas desprovidas de vegetação nativa.
E é a Lei dos Campos (resolução Conama 423 de 2010) que estabelece os parâmetros para definição de vegetação primária, secundária (em diferentes estágios de sucessão) e campos antrópicos (já alterados pelas atividades humanas). Independente do estágio, ficam determinadas restrições para o manejo. A vegetação secundária em estágio médio de regeneração poderá se suprimida nos casos de utilidade pública e interesse social. A supressão de vegetação primária ou secundária em estágio avançado de regeneração só poderá ser autorizada em caráter excepcional.