Correção: Diferente do que havia sido publicado nesta matéria, o projeto da deputada Regina Becker derrubado na Assembleia Legislativa em 2015 não previa a proibição do sacrifício de animais, mas a retirada de um parágrafo do Código Estadual de Proteção aos Animais que destaca a liberdade das religiões de matriz africana para realizarem esse procedimento.
Pouco mais de um ano depois de os deputados gaúchos derrubarem um projeto de lei que previa a retirada de um parágrafo do Código Estadual de Proteção aos Animais que destaca a liberdade das religiões de matriz africana para realizarem o sacrifício de animais, a discussão voltou à tona, desta vez, para o Supremo Tribunal Federal (STF) decidir se o parágrafo será excluído ou não do Código.
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Está na pauta da mais alta corte da Justiça brasileira um recurso protocolado pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) em 2005 que pede a retirada do texto que integra o artigo segundo do documento. O órgão recorreu após a ação de inconstitucionalidade ter sido negada por 15 votos a 10 pelo STF.
– O MP não questiona a possibilidade de haver sacrifício em rituais religiosos. Esse é um parágrafo inócuo, porque a liberdade religiosa é garantida constitucionalmente. Mas o Estado foi além de onde poderia para regulamentar – diz o promotor assessor da subprocuradoria para assuntos jurídicos, Bruno Heringer Júnior.
No entendimento do MP, o parágrafo único de autoria do então deputado estadual Edson Portilho (PT), que destaca a liberdade das religiões de matriz africana para realizarem liturgias que abatem animais, é inconstitucional por ferir os princípios da isonomia – que prevê tratamento igualitário a todos – e da laicidade do estado, porque "beneficiaria a uma única religião". O órgão defende, ainda, que não é competência do Estado regulamentar esse tipo de questão.
Para entidades, exclusão pode gerar perseguições
Para entidades que representam religiões de matriz africana, a eventual retirada do parágrafo específico sobre o assunto é preocupante. Embora o direito à liberdade religiosa esteja previsto na Constituição Federal, os movimentos acreditam que a exclusão pode dar margem a perseguições.
– Isso vem ocorrendo há anos, em várias esferas: apegam-se no ritual para embargar as religiões afro-brasileiras. Nós não maltratamos animais, nós os tratamos muito bem e o sacralizamos para os nossos orixás. É uma religião milenar em que os fundamentos são feitos dessa forma – explica Jorge Verardi, presidente da Federação das Religiões Afro-Brasileiras (Afrobras).
Segundo Verardi, diversas entidades estão encaminhando documentos ao STF pedindo para que o texto seja mantido. Conselheiro-geral do Conselho Estadual da Umbanda e dos Cultos Afro-Brasileiros, Clovis Alberto Oliveira de Souza diz que os movimentos estão apreensivos com o julgamento de pessoas sem um conhecimento mais profundo das religiões de matriz africana. O sacrifício, para elas, é um ritual de morte e renascimento – comer sangue e vísceras de animais imolados é o que dá vida às divindades afro-brasileiras –, e é realizado com alguns tipos de animais, nunca silvestres. A carne do abate deve ser consumida por quem participa do rito.
– A natureza é o nosso altar. Somos contra maus-tratos, e os movimentos sérios têm nosso apoio. Nós abatemos os mesmos animais que têm no supermercado, e consumimos ela, o que chamamos de comida de obrigação. O que não é consumido é doado a instituições carentes, porque deixar a carne estragar invalida o ritual – afirma Souza.
Tema envolve disputas políticas
Se a questão do sacrifício é elementar para os religiosos, para ativistas da causa animal o assunto não é tão simples. Ao contrário dos praticantes das religiões afro-brasileiras, alguns grupos entendem que a morte por imolação praticada nos rituais causa sofrimento aos animais e, portanto, seria inconstitucional.
– Somos contra o uso de animais em rituais religiosos. Eles sofrem. Sentem medo, desespero. E tudo isso é crueldade. Além disso, a carne é consumida e distribuída e não é vistoriada pela Vigilância Sanitária – avalia a diretora-geral do Movimento Gaúcho de Defesa Animal (MGDA), Maria Luiza Nunes.
O conflito entre as duas visões do tema não é novidade. No ano passado, a animosidade marcou as sessões da Assembleia Legislativa que apreciaram o projeto de lei da deputada Regina Becker que previa a retirada de um parágrafo do Código Estadual de Proteção aos Animais que destaca a liberdade das religiões de matriz africana para realizarem o sacrifício de animais em rituais religiosos. Representantes das religiões afro-brasileiras e defensores dos animais precisaram ser separados por uma grade para evitar confronto direto durante a sessão, que rejeitou o projeto da deputada por considerá-lo inconstitucional.
Pesquisador defende registro que assegure direito das religiões
Para o pesquisador do núcleo de estudos de religião e professor do departamento de antropologia da UFRGS, Marcelo Tadvald, os episódios recentes marcados pelo confronto com ativistas e o crescimentos da política conservadora encabeçada por grupos religiosos contrários às religiões afro-brasileiras reforçam a importância de haver um registro que assegure o direito às liturgias dessas religiões. A ausência de um texto específico sobre o tema, para o pesquisador, abre uma brecha para manifestações de intolerância.
– Não foi por acaso que esse parágrafo foi incluído para garantir a prática litúrgica. Tem um caráter político de proteger essas populações religiosas, que estão à mercê de interpretações – pondera.
Vaquejada foi considerada prática ilegal
Outra discussão envolvendo animais esteve em pauta no STF em 6 de outubro, quando o supremo julgou inconstitucional a lei cearense 15.299/2013, que regulamentava os espetáculos de vaquejada no Estado. Com o entendimento da corte máxima do país, passaram a ser considerados uma prática ilegal, relacionados a maus-tratos a animais e, portanto, proibidos.
Em 25 de outubro, uma manifestação contra a proibição das vaquejadas reuniu, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, vaqueiros e cavalos vindos de diversos Estados.
Em novembro, a Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado aprovou um projeto de lei que é uma tentativa de reverter a decisão do STF. O texto aprovado transforma as práticas de montarias, provas de laço, apartação, bulldog, provas de rédeas, provas dos três tambores, team penning e work penning, paleteadas e outras provas típicas, como queima do alho e concurso do berrante, em expressões artístico culturais, e as eleva à condição de manifestações da cultura nacional e de patrimônio cultural imaterial.
*Com Agência Brasil