Um presente de Dia das Crianças colocou Luciana Genro, candidata à prefeitura de Porto Alegre nas eleições realizadas em 3 de outubro, no meio de fogo cruzado.
Na noite de quarta-feira, ela postou no Facebook uma foto do sobrinho divertindo-se com um carrinho para brincar com bonecas, em tons de rosa e lilás, alusivo ao filme de animação Frozen. "Dia da Criança, meu sobrinho pediu um carrinho e ganhou. Aprendendo que cuidar do bebê não é só tarefa das mulheres!", registrou Luciana.
Foi o que bastou para desencadear reações acaloradas – contrárias e favoráveis. Parte dos internautas usou as redes sociais para xingar e ofender a ex-deputada federal do PSOL, muitos deles acusando-a de expor o menino, ao exibi-lo com o que seria um brinquedo de menina, e de tentar "transformá-lo em homossexual". Outros elogiaram a escolha do presente. Até a tarde desta sexta-feira, a postagem original de Luciana no Facebook tinha 16 mil reações – incluindo 12,5 mil curtidas e 3,4 mil "amei". Os compartilhamentos passavam de 1,17 mil.
– Luciana Genro deu um carrinho com uma boneca para um menino e está se achando o máximo no Facebook. Até onde vai a loucura dessas pessoas usando as crianças como laboratório do inferno na Terra. Ela quer que até o sobrinho vire gay – publicou uma usuária do Facebook.
Outros saíram em defesa da ex-candidata:
– Tanto ódio gratuito e polêmica por uma simples atitude. As pessoas poderiam entender que não tem como escolher trocar de gênero. É como se, num belo dia, o ser humaninho parasse, pensasse e resolvesse virar gay. Agora, crucificar uma pessoa por dar de presente um brinquedo rotulado de feminino é, no mínimo, compactuar com o machismo e disseminar a homofobia.
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Diante das reações, Luciana acrescentou um comentário à sua postagem nesta quinta-feira, para explicar o contexto do presente . "Para quem não entendeu, foi o meu sobrinho quem pediu o carrinho para carregar a boneca. Brinquedo não tem sexo e muito menos uma brincadeira de cuidar de nenê, que deve ser tarefa de pais e mães!", escreveu. Zero Hora tentou falar com a ex-parlamentar na tarde desta sexta-feira, mas a assessoria do PSOL informou que ela não se pronunciaria mais sobre o tema, porque a irmã, mãe do menino, não quer que ele continue sendo exposto.
Antes, no entanto, Luciana já havia abordado o assunto com o jornal Folha de S. Paulo. Sublinhou que o sobrinho não queria um carrinho tradicional, mas um carrinho de bebê mesmo, porque já tinha uma boneca. Disse também que se arrependeu da publicação e avaliou que as críticas demonstraram a persistência do machismo na sociedade brasileira:
– Ainda há uma forte tendência de exigir da mulher que ela seja principal responsável pelos cuidados com o filho e com a casa. E que ao homem cabe, na melhor das hipóteses, ajudar a mulher, e não ser parceiro dela nessas tarefas.
Especialistas ouvidos por Zero Hora afirmam que não existe relação entre os brinquedos que são oferecidos e a orientação sexual futura da criança – ou seja, um menino brincar de boneca e uma menina brincar de carrinho não interferirá em nada na sua identificação como homossexual ou heterossexual.
Por outro lado, romper as fronteiras entre o que é considerado brinquedo masculino e brinquedo feminino pode ter consequências saudáveis, no que diz respeito a uma maior igualdade entre os gêneros.
O professor da Universidade Federal do Rio Grande (Furg) Lucas Neiva-Silva, doutor em psicologia pela UFRGS e pós-doutor em psicologia do desenvolvimento e da saúde pela Universidade Autônoma de Madri (Espanha), observa que em outros países, como Espanha, França, Portugal e Alemanha, os brinquedos tendem a ser unissex, o que não acontece aqui.
– No Brasil, é difícil achar um fogão de brinquedo que não seja cor-de-rosa, o que passa a ideia de que só meninas brincam de cozinhar. Na Europa, esses brinquedos têm cor neutra, para não dar uma designação de gênero para algo que, lá, é função tanto do homem como de mulher – observa.
Segundo Neiva-Silva, a delimitação de brinquedos para meninos e meninas no Brasil está relacionada a uma herança histórico-social que atribui aos homens papéis como o de dirigir automóveis (daí brincar de carrinho ser visto como algo masculino) e às mulheres obrigações como cuidar dos filhos e da casa (o que se relaciona com brincar de boneca ou de cozinhar).
– Na psicologia, entende-se como muito saudável que os brinquedos e as brincadeiras não tenham definição de gênero. Uma criança que desde cedo vê com naturalidade meninas brincando de carrinho e meninos brincando de cozinhar e de cuidar de bebê tende a crescer com uma ideia de igualdade. Já se foi o tempo em que o pai ia trabalhar e a mãe ficava cuidando da casa, mas o papel da maternagem ainda hoje continua depositado na mãe. O número de casais em crise ou se separando quando a criança chega aos dois anos de idade é enorme, porque é até onde deu para esticar esse papel da mulher. Os nossos jovens adultos estão sofrendo com a herança de um tempo em que menino só brincava de carrinho e menina, de boneca.
Lina Wainberg, mestre em sexologia e doutora em psicologia, acredita que a tendência é cada vez mais diluírem-se as fronteiras entre brinquedos considerados masculinos e femininos – ainda que elas não se percam por completo. Lina considera que esse fenômeno é um resultado da realidade contemporânea – e não o contrário.
– O gênero atualmente está com as fronteiras mais diluídas, em termos de papéis. Os pais cozinham e cuidam dos bebês, enquanto as mães entendem de carro. Isso se reflete naturalmente nas brincadeiras das crianças, na menina brincar de carrinho e no menino brincar de cozinhar.