Quando se descobriu intolerante à lactose, há quatro anos, a administradora Jéssica Duarte, 25 anos, perguntou-se: por que a maioria dos rótulos dos alimentos informava a respeito da presença de glúten, mas omitia a composição relacionada ao açúcar dos laticínios? Pensando no bem-estar próprio e também de cerca de 70% da população que apresenta essa deficiência no Brasil, conforme números do Hospital Israelita Albert Einstein, a jovem de Rio do Sul criou, ainda em 2013, um abaixo-assinado online.
A ideia era cobrar da indústria alimentícia a inserção de duas palavras nas embalagens dos produtos que apresentassem traços de leite ou derivados: contém lactose. A meta de 20 mil assinaturas foi dobrada em três anos de campanha - 41.066 pessoas assinaram a petição. Agora, no segundo semestre de 2016, Jéssica acompanha o resultado da ação.
- Procurei na internet se já tinha algum projeto de lei e aí encontrei um que estava há dois anos parado no Senado e não tinha perspectiva de ser aprovado. Criei a campanha para agilizar a aprovação da lei da lactose, que aconteceu em 4 de julho desse ano. Agora, as indústrias têm seis meses para cumprir as determinações - conta orgulhosa.
Jéssica já mira uma nova campanha, dessa vez pela duplicação da BR-470, no Vale do Itajaí.
As duas maiores plataformas de petições que dão conta do desejo por mudanças sociais, Change.org e Avaaz, somam 150 milhões e 43 milhões de usuários, sendo 7 milhões e 8 milhões de brasileiros, respectivamente. O pico de utilização no Brasil aconteceu em 2013, mas o momento de instabilidade política, econômica e financeira retoma essa tendência de mobilização virtual.
Nesse sentido, esses sites orientam as pessoas a contarem suas histórias e endereçarem os pedidos aos tomadores de decisões. Número de assinaturas nem sempre é a métrica mais importante de uma campanha bem-sucedida. A urgência do pedido, que é medida pela velocidade com que a campanha ganha adeptos e o pedido chega a quem pode resolver a situação, também conta. Pela efetividade do modelo, a diretora de campanhas da Avaaz, Caroline D'Essen, rejeita a ideia de "ativismo de sofá".
- As pessoas estão ansiosas por mudanças e veem nas petições online uma oportunidade para acelerar isso - diz.
No passado, não era possível mobilizar pessoas com tanta facilidade. A sociedade brasileira já está bem familiarizada com a prática, principalmente depois de junho de 2013. Muita gente, em sintonia com os protestos nas ruas, cria petições sobre os mais variados temas com o objetivo de unir a voz das ruas com as outras vozes.
Para ela, criar um abaixo-assinado online é o mesmo que ocupar um espaço, mas dessa vez na internet.
- Nós sempre buscamos progressos concretos na legislação, compromissos ou decisões que criem melhorias tangíveis no mundo, bem como a sensibilização da população. A mudança não é linear, e nós entendemos que os grandes desafios só são abordados pelo poder das pessoas quando podemos entregar campanhas de cunho concreto e significativo - arrisca.
Para mudar o mundo aos poucos
Uma das condições para uma petição online surtir efeito é o enfoque em causas específicas. A campanha proposta pela estudante de Arquitetura e Urbanismo de Balneário Camboriú, Charline Carelli, há três anos é exemplo. Ao tomar conhecimento de um projeto de lei municipal que tentava restringir a circulação de bicicletas, skates e patins pelas praças da cidade do litoral catarinense, ela decidiu reunir assinaturas na internet e apresentá-las ao vereador na tentativa de barrar o texto.
- Pesquisei muito sobre o assunto para apontar as causas que invalidavam o projeto de lei. O burburinho fez o vereador agendar uma sessão na Câmara para dialogarmos.
Não contente com o resultado do encontro, Charline continuou divulgando o abaixo-assinado em grupos específicos - todos pelas redes sociais na internet - por acreditar no papel conferido à ferramenta de estimular a participação democrática da população.
- O abaixo-assinado tomou proporção nacional, e então protocolamos a entrega das 8.830 assinaturas e um novo pedido de arquivamento. O vereador apresentou um substituto ao projeto de lei, retirando todos os pontos negativos que listamos. Após esse acontecimento, percebemos uma iniciativa pública em prol dos modais sustentáveis, pois desde o fato ocorrido, foram criadas novas ciclofaixas e ocorreu a interligação entre elas - analisa a jovem.
Apesar de a internet possibilitar inúmeras ações de mobilização e de dar amplitude aos movimentos, o cientista político da Universidade Federal de Minas Gerais Marcus Abílio Pereira acredita que as ações presenciais dificilmente serão substituídas.
- A internet favorece o desenvolvimento de novos repertórios, como produção de boletins eletrônicos, oferecimento de denúncias, promoção ou participação em abaixo-assinados, cooptação de novos membros, entre outros. Temos a possibilidade de articulação entre ações online e presenciais.