RAPTADA E LEVADA A UM MOTEL
Cavalhada, 9/8/2015 - Às 19h25min de um domingo de inverno, ela saiu de casa e caminhou algumas quadras até uma movimentada avenida, onde esperaria um ônibus. Sozinha, esperou na parada durante sete minutos por um transporte que nunca veio. Pelo menos não antes que um carro preto, rebaixado, se aproximasse. Do veículo, desceu um homem com um revólver. A jovem de 21 anos pensou que era um assalto.
– Entra no carro – ordenou o rapaz.
No banco traseiro, ela sentou-se ao lado do homem que a abordara, enquanto outro dirigia. Eles lhe pediram dinheiro, mas ela não tinha. Disseram que ela teria de pagá-los de outra forma. Ela suplicou que não lhe fizessem mal. Estava grávida, de um mês.
Durante meia hora, a dupla circulou pela cidade sem que a mulher soubesse onde estava. Teve de manter a cabeça abaixada durante o trajeto. Os criminosos compraram buchas de cocaína em uma vila e pararam para sacar dinheiro. O percurso terminou dentro de um quarto de motel de paredes brancas, cortinas vermelhas e espelho no teto. Lençóis e toalhas que pudessem identificar o estabelecimento foram retirados pela dupla.
No banheiro, um deles obrigou que ela fizesse sexo oral. No quarto, os dois forçaram uma relação sexual simultânea. Mais tarde, ela soube que perdera o bebê.
Depois de darem a violência por encerrada, os agressores mandaram a jovem tomar banho e se vestir. Largaram a vítima em uma rua no bairro Nonoai. De lá, pegou um ônibus de volta para casa.
No dia seguinte, procurou a delegacia. Submeteu-se a uma perícia que atestou a agressão e, a partir daí, teve início uma investigação que se estendeu por três semanas. Agentes da Polícia Civil percorreram a cidade com a jovem na tentativa de localizar o motel. Na Zona Sul, a vítima reconheceu o local onde foi estuprada: o quarto de número 15. À recepcionista do motel, os agentes solicitaram a placa do carro que havia ingressado no quarto na data e na hora do crime. Com a sequência de letras e números em mãos, descobriram a proprietária do veículo, uma mulher cujo filho de 23 anos acumulava passagens pela polícia. Bastou que a jovem visse uma foto do rapaz para confirmar:
– É ele. Sem sombra de dúvidas.
Duas semanas depois do estupro, o homem era recolhido ao Presídio Central preventivamente. Na versão que apresentou à polícia, disse que ele e um amigo haviam convidado a jovem que esperava na parada para "dar uma bandinha". Ela teria aceitado. O depoimento não convenceu a polícia, pois o registro de uma câmera de segurança da região deixava claro que a mulher embarcara no carro à força.
Em 3 de setembro de 2015, a dupla era indiciada com prisões preventivas já decretadas. Passaram-se dois meses, e uma tônica dos processos de violência sexual se confirmou: a Justiça soltou um dos suspeitos depois de 132 dias preso para que respondesse pelo crime em liberdade. "O tempo de prisão e a continuidade de monitoramento parecem suficientes para evitar possível reiteração", considerou a Justiça, que, na mesma decisão, determinou que o homem mantivesse distância mínima de 200 metros da vítima.
Não se sabe se o rapaz estuprou de novo, mas se tem a certeza de que reincidiu no crime. Em janeiro, foi desarmado por um homem que tentara assaltar no bairro Ipanema e acabou morto a facadas.
O segundo suspeito do abuso está detido no Presídio Central, onde soma a prisão preventiva por estupro a uma condenação por porte ilegal de armas. É o único, de todos os 25 casos, que responde ao processo preso pela agressão sexual de que é suspeito.
MANTIDA EM CATIVEIRO
Santana, 18/11/2014 – A investigação sobre o estupro de uma jovem de 21 anos terminou antes mesmo de começar. Ela era mantida enclausurada pelo ex-namorado em um apartamento, onde vinha sendo estuprada e agredida fazia um mês, desde que o homem, um gerente do tráfico de drogas de uma quadrilha na cidade, havia deixado o presídio.
No cativeiro, descobriu que estava grávida. Em uma tarde, em momento de descuido do agressor, fugiu. Seguiu direto para uma delegacia, em Canoas. Enquanto relatava para o escrivão, o celular tocou. O policial pôde ouvir pelo viva-voz os berros do homem:
– Volta pra cá ou vou te matar e toda tua família.
Como o estupro havia acontecido em Porto Alegre, a polícia encaminhou o caso para a Delegacia da Mulher da Capital. A jovem seguia sendo intimidada pelo homem, e agentes chegaram a acompanhá-la até a casa onde morava para que ela retirasse seus pertences. Mas, quatro meses depois de denunciar o estupro, a mulher retornou à delegacia. Dessa vez, para se retratar.
"Quero retirar a queixa por cárcere privado, estupro. Eu fiz essa acusação falsa pois estava com raiva e ciúmes, da minha parte afirmo que nada disso aconteceu. Estamos juntos novamente e residindo no mesmo endereço", escreveu de próprio punho em uma folha de caderno anexada ao inquérito.
O policial que a atendeu alertou que exames atestavam os machucados que ela sofrera por conta de coronhadas e socos. Ela desconversou. Disse que, no dia em que procurou a delegacia, havia motivado uma discussão com o ex-namorado e que ela o havia agredido primeiro. Contou que estava arrependida.
No dia anterior à retratação, o homem havia sido preso. Estava foragido por tráfico de drogas. Hoje, está recolhido na Penitenciária Modulada Estadual de Montenegro pelo crime.
Mesmo retirada a denúncia pela jovem, a polícia decidiu indiciar o suspeito por ameaça (delito que ela não citou na reparação) e por cárcere privado e lesão corporal (crimes que não estão condicionados à representação da vítima). O processo está na Justiça.
A advogada paulista Valéria Pandjiarjian, integrante do Comitê Latino-Americano e do Caribe pra Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem), faz um alerta:
– Temos de equacionar a questão da punição com a legislação penal. A impunidade não se resume a não prender, mas envolve o atendimento às mulheres, a assistência às vítimas e, também, a condenação e prisão dos agressores. Não necessariamente penas longas serão a solução se não tivermos outros mecanismos de prevenção e educação e focos de tratamento dessa questão.
LEIA OS DEMAIS CAPÍTULOS DESTA REPORTAGEM: