O número de botos mortos nos últimos anos na região de Laguna, no Sul do Estado, tem chamado a atenção da população e dos protetores dos animais. De 2013 para cá, sete animais foram encontrados mortos. A divulgação de fotos com informações alarmantes que se propagam pelas redes sociais estão causando comoção na região. Segundo pesquisadores da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), em Laguna, porém, não há motivo para preocupação porque há um equilíbrio entre o número de mortes e nascimentos. Mas para que o cenário se mantenha assim, é preciso cautela.
Toninha é encontrada com parasitas na praia do Mar Grosso, em Laguna
Boto é encontrado morto na praia do Mar Grosso, em Laguna
Em época de safra da tainha, a pesca com o auxílio dos botos é uma atração à parte para os turistas e uma ajuda extra para os pescadores artesanais. Da população total estimada em 55 cetáceos, pelo menos 20 são pescadores, segundo acompanhamento realizado por pesquisadores da Udesc, em Laguna.
As mortes que têm gerado preocupação, segundo o professor de Engenharia de Pesca e Biologia Marinha Pedro Volkmer de Castilho, são em boa parte por causas naturais, embora não se tenha pesquisas detalhadas sobre o real motivo das perdas.
– É um processo biológico, da vida. O que a gente discute é a forma como morre, uma coisa é morte natural devido a envelhecimento, outra é ser acometido por outras injúrias. O que a gente combate é a mortalidade originária de uma prática ilegal, atividade imprópria e demais fatores – explica.
Apesar do cenário aparentemente tranquilo, os pesquisadores alertam que é preciso atenção especial a fatores que têm colocado em risco a integridade dos animais. Os principais são a poluição vinda do rio Tubarão, vestígios da extração do carvão, despejo irregular de esgoto doméstico e redes ilegais. Para o presidente do Instituto Ambiental Boto Flipper Laguna, Arnaldo d'Amaral Pereira Granja Russo, a degradação do ecossistema e a ocupação irregular das margens também acendem o sinal de alerta para preservação da espécie.
– Dentro dos estuários, espécies residentes com grupos específicos não apresentam problemas de risco de extinção, porém é preciso se manter em estado de alerta, qualquer desequilíbrio maior que ocorra no ecossistema pode levar a perdas de animais. Nossa grande preocupação é que são muitos os problemas, contaminação química da água do estuário, som das embarcações, uso das margens, falta de consciência de alguns pescadores, entre outros – alerta Russo.
Nas últimas semanas, alguns usuários de rede social compartilharam um texto que alertava para o risco da extinção dos botos pescadores, trazendo a informação de que hoje haveria somente oito na região. Esse levantamento feito de maneira informal é negado pelos pesquisadores do Centro de Educação Superior da Região Sul da Udesc e pelo Instituto Ambiental Boto Flipper, que acompanham constantemente essa população.
– Temos a nossa base de dados de contagem, que é confiável cientificamente, é um método, não um achismo. É preciso cautela para que nenhuma informação seja repassada de forma equivocada – explica Russo.
O biólogo Luiz Augusto Farnettani, que já realizou algumas ações com o Instituto Sea Shepherd Brasil – Guardiões do Mar contesta os números oficiais e afirma que situação é bem mais grave.
– Quem diz que pesquisa e monitora nunca realizou na prática mesmo, não é verdade. Eles devem contar os golfinhos que passam pelo mar. Estamos perdendo esses animais e ninguém se dá conta – lamenta.
Sea Shepherd cobra mais rigor na fiscalização da pesca
Parceiros de pescaria, os botos que se juntam aos moradores da região para buscar os cardumes encontram protetores e companheiros de atividade, mas também podem se deparar com perigos nas redes clandestinas. A proibição do uso das redes que atravessam o rio de um lado ao outro ameniza os riscos, mas é comum encontrar materiais fora dessas especificações.
A fiscalização da pesca, realizada pela Polícia Ambiental, é um dos temas que preocupa o Instituto Sea Shepherd, ONG de proteção dos mares. Para a entidade, o cuidado deveria ser responsabilidade também do Ibama e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), para que houvesse um controle mais amplo. No próximo dia 30, uma audiência na 1ª Vara Federal de Laguna vai voltar a discutir o tema, uma ação civil pública foi protocolada em 2013.
Enquanto isso, quem interage diariamente com os botos procura fazer a sua parte para mantê-lo protegido e em um ambiente harmonioso. Quando bebês, esses animais aprendem a pescar com as mães e passam a auxiliar o homem quando maiores. Essa parceria exige respeito e confiança de ambas as partes.
– Esse pessoal trabalha junto com o animal, ele ajuda a dar o sustento para essa família do pescador, ele é o amigo, o companheiro, então eles têm todo cuidado no trato com o animal. Quando um morre, eles (pescadores) sofrem, conhecem os botos pelo nome – comenta o presidente da Colônia de Pescadores Z-14 de Laguna, Antonio Manoel de Souza.
A discussão de que haveria um número menor de botos chegou, há pelo menos das semanas, em uma reunião da colônia de pescadores. Segundo o presidente, de vez em quando é possível ver um boto com filhote, em contrapartida aos que morrem. "É a natureza se renovando", defende ele.
– A gente tem cuidado, não dá pra culpar o pescador, é muita besteirada que tem dentro dessa água. Todos temos que cuidar, se um dia esse complexo lagunar falir, vamos ser um dos municípios mais pobres. Por isso, a gente luta, meio sentido, meio magoado, pela falta de reconhecimento do pescador artesanal, mas a gente continua – completa Souza.