As horas que antecedem o fim do prazo de entrega da Declaração do Imposto de Renda costumam trazer ares insanos aos escritórios de contabilidade e ativar o modo pânico em quem ainda não preencheu o formulário. Entre os recibos guardados há meses descobre-se que faltou o principal, aquele que daria a restituição mais gorda. Quem esperava receber do governo descobre que, na verdade, terá de pegar – e não há contabilidade criativa ou pedalada que amanse o Leão.
Os contadores se descabelam para atender em um único dia 15% de toda clientela esperada, grupo que teve dois meses para levantar a papelada, mas achou que seria tranquilo esperar um pouco mais. E tudo que antes parecia banal agora parece conspirar contra: a internet sai do ar, o site da Receita trava, o sogro telefona para pedir socorro em sua própria declaração.
Leia mais:
Quem deve declarar o Imposto de Renda
Saiba quais são os documentos necessários para preencher o IR
Quais deduções são aceitas no Imposto de Renda
Veja as principais mudanças da Receita para o IR 2016
IR 2016: como evitar os erros mais comuns e não cair na malha fina
Como garantir a restituição do Imposto de Renda 2016
Esse dia chegou. Às 23h59min desta sexta-feira (29) termina o prazo para prestar contas ao Leão. Das 28,5 milhões de declarações esperadas neste ano, seis milhões ainda não haviam sido entregues até as 17h de quinta – dentre os gaúchos, 350 mil ainda não haviam enviado o documento à Receita, de 2 milhões esperados.
Para os que fazem jus à máxima de que os brasileiros deixam tudo para a última hora, abaixo vão causos que mostram que todo cuidado é pouco para não tropeçar – ou pelo menos virar uma boa história – na hora de preencher o IR. E algumas dicas para evitar erros na entrega tardia.
Tarde demais
Depois do mais longo dia de trabalho do ano – o último no prazo de entrega do IR – Welinton Mota apagava as luzes do escritório de contabilidade no ano passado quando o celular vibrou. Era 22h30min – um horário que, digamos, ninguém telefona para contar que você foi premiado na loteria. Meio ressabiado, atendeu.
Um cliente ofegante desabafava: havia esquecido totalmente da declaração, não tinha sequer juntado a papelada. Mas precisava escapar da multa. Welinton respirou fundo, deu meia volta, ligou o computador e começou a levantar as informações. Importada a declaração do ano anterior, os dados começaram a somar, somar e mostraram que a simplificada não daria conta: seria possível fazer uma declaração completa, muito mais detalhada – e trabalhosa. Welinton olhou no relógio, pegou o telefone e teve que dar a má notícia: desta vez não ia dar para escapar da multa.
– Geralmente os clientes que ligam na última hora são justamente os que a gente passa a semana pedindo que mandem os comprovantes, mas nos ignoram totalmente – diz o contador.
Como assim, pet não é filho?
O contador Celso Luft preenchia mais uma declaração de cliente, com a calma de quem acha que já viu de tudo na vida, quando adentra um senhor pomposo, com uma pilha de notas para incluir no Imposto de Renda. Ao analisar o maço, Luft deparou com um lado do sujeito que não conhecia – e nem podia: gastos generosos com xampú de cachorro, ração e veterinário. O cliente falava com autoridade: os gastos em pet shops eram tantos que ele queria incluí-los na declaração.
– Explicamos que os gastos com saúde que podem ser incluídos são de familiares, os pets ficam de fora. Mas ele insistiu que o cachorro não apenas era da família, como dava mais despesa que seu filho.
Mas não teve jeito: o pet ficou de fora da lista do Leão.
Encarou o Leão, mas salvou o casamento
Os alunos da Contabilidade da Fadergs venciam mais um dia de serviço gratuito no saguão da Receita Federal quando sentou-se diante de um deles uma senhorinha com uma volumosa pasta de documentos. Olhava para os lados, demonstrava preocupação. O rapaz perguntou qual era o problema, ela sussurrou: havia recebido R$ 30 mil no ano passado como indenização em um processo judicial, e agora teria de pedir para o marido declarar no Imposto de Renda dele, no qual ela é dependente.
Só havia um inconveniente: ela dissera ao marido que só tinha ganhado R$ 3 mil na Justiça. – Quando ela descobriu que teria de declarar todo ganho acima de R$ 28 mil, se apavorou – conta Laura Domingos, coordenadora do curso de Ciências Contábeis da Fadergs.
O atendente explicou que ela ia ter de falar a verdade, senão cairia na malha fina. A senhora olhou para baixo, pensou, e resolveu arriscar: poderia até levar a multa, mas ia salvar o casamento. Declarou só R$ 3 mil.
Em forma com a Receita
Noutro dia, era um velho cliente de Celso Luft que reivindicava uma curiosa restituição. Havia começado a fazer academia e aula de dança para manter a forma e segurar os quilinhos a mais que a idade parece encomendar. Agora, achava por direito que o governo tinha de devolver o que ele havia gasto.
Luft estranhou: o cliente – que já não era iniciante em IR – deveria saber que só gastos com médico e estudos davam esse benefício. Foi quando o cidadão começou a argumentar: havia começado a malhar e a dançar no salão por recomendação do cardiologista, que achou que um pouco de movimento iria fazer bem para a circulação e o excesso de peso. Era, portanto, gasto médico. Não foi fácil para o contador explicar que o Leão não liga muito para a circunferência abdominal de ninguém.
– Geralmente quando a pessoa se surpreende com o tamanho do imposto que vai ter de pagar, sai atrás de qualquer comprovante. Às vezes, apela para o inusitado.