Enquanto a comunidade científica internacional caminha para provar a relação entre o zika vírus e os casos de microcefalia, médicos argentinos chamam a atenção para outra causa suspeita de provocar a má-formação em bebês: o larvicida Pyriproxyfen, usado no Brasil desde 2014 para deter o desenvolvimento da larva do mosquito Aedes aegypti em tanques de água potável.
Pesquisadores trazem os argumentos para a hipótese em relatório divulgado nesta semana pela organização médica argentina Physicians in the Crop-Sprayed Towns (em inglês). O primeiro deles relaciona o pesticida ao período e ao local de maior manifestação da doença. O Pyriproxyfen é utilizado, sobretudo, em regiões carentes de saneamento, onde a população precisa armazenar água em casa devido ao racionamento. No Brasil, o inseticida começou a ser utilizado no fim de 2014, principalmente em regiões do Nordeste - local e período a partir do qual foi detectada maior incidência de casos de microcefalia -, em substituição ao Temephos, não mais utilizado devido à resistência do mosquito.
Os médicos também questionam o fato de as outras epidemias de zika, como a da Polinésia Francesa, não terem sido associadas a problemas congênitos em recém-nascidos - "apesar de infectar 75% da população nesses países". Outro elemento reforça ainda as suspeitas de que há algo além do zika vírus nos casos de má-formação: a Colômbia, o segundo país com maior número de infectados, contabilizou mais de 3 mil grávidas infectadas, mas não há registros de microcefalia vinculada ao zika.
Leia mais
Brasil confirma 462 casos microcefalia
Veja quais bairros de Porto Alegre terão ação de combate ao mosquito Aedes Ministério da Saúde confirma terceira morte por zika
Conforme a publicação, as má-formações detectadas em bebês de grávidas que vivem em áreas onde passou a ser utilizado o Pyriproxyfen na água potável "não são uma coincidência". A crítica vai além: "o Ministério da Saúde coloca a culpa diretamente sobre o vírus zika, ignora sua responsabilidade e descarta a hipótese de danos químicos cumulativos no sistema endócrino e imunológico causados à população afetada", posicionam-se os pesquisadores no documento.
ZH contatou o Ministério da Saúde e solicitou uma posição sobre o assunto. Até a publicação desta a reportagem, não havia recebido retorno. A Secretaria Estadual da Saúde disse que o Pyriproxyfen é "utilizado em pequena escala no Rio Grande do Sul, apenas em situações bem específicas, como em objetos que acumulam água e, por algum motivo, não podem ser removidos".
O PYRIPROXYFEN
Recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Ministério da Saúde, o Pyriproxyfen é um inibidor de crescimento de larvas de mosquito. Produzido pela Sumitomo Chemical - empresa japonesa que, de acordo com os pesquisadores argentinos, teria parceria com a Monsanto -, ele atua como um hormônio juvenil, inibindo o desenvolvimento das características adultas do inseto (por exemplo, asas, maturação dos órgãos reprodutivos e genitália externa), mantendo-o com aspecto "imaturo" (ninfa ou larva). De acordo com a OMS, o produto não provoca câncer, danos a embriões e fetos durante a gravidez ou alterações no material genético do indivíduo a ele exposto.
Má-formação poderia ser potencializada
Especialistas consultados por Zero Hora acreditam que a microcefalia está vinculada ao zika - não descartam, no entanto, a possibilidade de a má-formação ser potencializada por outros fatores.
- A gente tem a sensação de que está faltando alguma coisa nessa história. Não tenho dúvida de que exista a associação com o zika, mas há aspectos que a gente não consegue entender. Por que tem proporcionalmente mais casos em Pernambuco do que na Bahia? Já havia sido levantada a hipótese de que houvesse alguma droga, algum produto diferente, que, junto ao vírus, pudesse estar provocando isso. Mas não é simples de elucidar. Por isso, essa informação (do Pyriproxyfen) é superimportante - avalia Celso Granato, diretor clínico do Grupo Fleury, principal laboratório de medicina diagnóstica do país.
Para Lia Giraldo, pesquisadora da Fiocruz e professora da Universidade Federal de Pernambuco, dois elementos novos surgiram em um mesmo contexto: a presença do vírus e a aplicação do Pyriproxyfen na água. Porém, segundo ela, a ciência internacional "erroneamente" foca pesquisas apenas em um dos possíveis fatores, o vírus.
- Buscam um modelo linear, de causa-
efeito, quando, na verdade, a gente tem um cenário que possibilita um somatório de causas, de possibilidades para a doença: a microcefalia ocorre na região mais pobre, de menor saneamento e, consequentemente, de maior uso de produtos químicos. Não se pode ir por um único caminho - considera a médica sanitarista, membro da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).
Conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS), o uso do pesticida na quantidade sugerida para inibir o crescimento de larvas em reservatórios não provoca danos à saúde. A Abrasco faz questionamentos.
- Sabemos que o Pyriproxyfen tem efeito teratogênico em mosquitos (causa má-formação em fetos e embriões). Um produto com essa ação não deveria ser colocado na água de beber, que tem que ser potável: sem larva de mosquito e sem larvicida - defende Lia.