Mesmo com algumas pesquisas promissoras com mosquitos trânsgenicos, por exemplo, a solução mais viável de combate ao Aedes aegypti ainda é a redução dos criadouros. É o que aponta o professor Carlos Brisola Marcondes, do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que abordou o tema recentemente em matérias do New York Times e Science News. O especialista, que pertence ao corpo editorial da Terrestrial Arthropod Reviews e Life: the excitement of biology, publicou também um artigo na revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical sobre o zika vírus. Para ele, o Aedes aegypti representa diversos desafios e por sua ampla adaptação, ainda pode trazer outras doenças. Confira a entrevista completa dada ao Diário Catarinense:
Quais são os maiores desafios em relação ao combate do mosquito Aedes aegypti?
Há vários problemas de difícil solução para o controle de Aedes aegypti: é um mosquito muito bem adaptado ao ambiente urbano, gostando de sugar sangue de humanos e que põe seus ovos em coleções de água de vários tipos (garrafas, lajes, latas, caixas d'água, barcos, tampinhas de garrafa etc.), em geral com água limpa, mas tem sido encontrado em fossas sépticas na Amazônia; seus ovos, postos principalmente em superfícies a serem imergidas, resistem a vários meses sem água, podendo portanto sobreviver à estação seca; resistem a vários inseticidas, podem voar algumas centenas de metros, especialmente quando não encontram locais bons para pôr seus ovos.
Em comparação com outras enfermidades, como malária, ele seria um mosquito mais difícil de ser eliminado? Por quê?
Os principais fatores para dificultar seu controle são a ótima adaptação a numerosos criadouros para as formas imaturas; seus ovos resistentes à falta de água (adaptação desenvolvida após muitas geração sobrevivendo no deserto); raramente pousam em paredes, sendo portanto pouco útil pulverizá-las com inseticidas; e picam principalmente durante o dia, o que torna muito difícil se proteger com mosquiteiros.
Há algumas soluções de combate ao Aedes aegypti que se mostram promissoras?
No momento, a única maneira de reduzir o problema é fazer uma redução extrema nos criadouros, verificando e cuidando de cada casa, rua e terreno baldio. Isso só pode ser conseguido com esforço das autoridades de saúde e da população, que não pode esperar que o agente de saúde visite sua casa para verificar se há criadouros, o que é inviável e muito caro. Há estudos de introdução de mosquitos transgênicos, com machos com genes defeituosos, que competem com os normais e só produzem larvas que não viram pupas. Parece estar dando bons resultados em testes, mas há várias dúvidas quanto à viabilidade e custo, além de dúvidas quanto à aceitação pelas autoridades e a população. Há também uma bactéria, a Wolbachia, que torna os mosquitos refratários ao vírus da dengue e também os prejudica; testes vêm sendo feitos.
Mas há uma solução a curto prazo?
A curto prazo é a redução de criadouros, já que as outras são ainda experimentais. Uma medida muito importante é o uso de roupas fechadas e frouxas, especialmente sobre as pernas e pés, e usar repelente nas partes descobertas do corpo. A longo prazo, é preciso melhorar muito o abastecimento de água, o esgoto, ou seja, o saneamento em geral. Desse modo, não se manterá mais água em barris, latas e mesmo caixas d'água, ao que sei na Alemanha não existem caixas d'água. A coleta de lixo precisa melhorar muito e a população precisa ser educada (e forçada) para não espalhar lixo em terrenos baldios e cuidar de suas casas. Novamente, na Alemanha, você precisa limpar sua calçada quando neva, pois se alguém cair, você está frito. Isso envolve educação, conscientização e dedicação. Não se pode, como fez um ex-ministro da Saúde, dizer que o sujeito que trabalha oito horas e gasta duas no transporte não tem tempo para verificar diariamente os vasos e latas; ele tem é que deixá-los adequados sempre.
O poder público tem atuado de forma correta? E a população?
As medidas vêm sendo tomadas de forma incompleta, interrompendo quando diminuem os casos, por economia e/ou por desleixo. Os governos têm muitas incumbências, e em geral as cumprem muito pouco. A população precisa colaborar no controle, não precisando ouvir novamente o que fazer. Haverá ainda alguém que não tenha ouvido na TV o que é para fazer? Então mãos à obra!
E sobre o Zika vírus?
O Zika é apenas um dos vírus que o Aedes aegypti pode transmitir e do modo como ele é bem adaptado às nossas cidades bagunçadas, muitas outras doenças virão, como a febre amarela, à espreita nas florestas do oeste dos estados do Sul, Sudeste e Nordeste (Bahia) e na Amazônia e Centro-Oeste. Se as cidades continuarem cheias de criadouros, parentes do Aedes aegypti virão e se adaptarão, como já tem acontecido até na Europa e EUA.
Por que chegamos a esse ponto?
Principalmente pela urbanização acelerada e desorganizada; má distribuição de renda; desorganização dos governos de todos os níveis e falta de apoio para que eles façam seu trabalho; lixo espalhado por todo canto, além da população miserável, ignorante e/ou desinteressada.