Ele acordou com o grito da arrumadeira da manhã.
- Ponha os sapatos! - ela disse, sacudindo uma cadeira. - Isto aqui não é sua casa!
Ding Xinfeng piscou e abriu os olhos. O sol ainda não havia nascido, mas dentro de um McDonald's 24 horas, no centro de Pequim, mais de uma dúzia de pessoas desabrigadas começava a rotina diária.
Xinfeng levantou a cabeça para ver os slogans decorativos na mesa à sua frente. Ele não sabe inglês, mas disse que gostava do aconchego da mesa, no canto, na paz do McDonald's, o lugar que chama de casa há vários anos.
Todas as noites, em todo leste da Ásia, em grandes cidades como Pequim, Hong Kong e Tóquio, uma classe invisível de pessoas - longe de sistemas de abrigo e desprezadas por suas famílias - vão para um símbolo da cultura americana em busca de um local quente e seco para dormir.
Durante o dia, os restaurantes do McDonald's fazem festas de aniversário e recebem clubes do livro. À noite, se tornam santuários de oprimidos, que buscam hambúrgueres meio comidos e sobras de batatas fritas, de olho nos melhores lugares para pernoitar: as mesas com bancos acolchoados. Muitas vezes chamados de McMendigos, eles desaparecem ao nascer do sol, se juntando às massas na rua.
- Minha família mendiga comida desde a dinastia Ming - disse Xinfeng em uma manhã fria de novembro, quando o vento uivava lá fora e o McDonald's começava a ser tomado por clientes.
Ele começou a circular pelas mesas pedindo dinheiro.
- Eu sou a 19ª geração. Não haverá mais mendigos na China depois que eu morrer - continuou.
Dúvidas sobre os limites da imagem acolhedora
Um homem lhe entregou um jornal. Uma mulher deu 50 centavos. Uma jovem ofereceu uma batata frita. Xinfeng retornou ao seu lugar, abriu o jornal e começou a estudar os números da loteria em busca de padrões. Outros restaurantes os expulsam, mas geralmente o McDonald's recebe andarilhos como Xinfeng. Mais da metade dos 2,2 mil restaurantes da rede na China continental fica aberta 24 horas por dia.
O McDonald's passou décadas cultivando imagem de comunidade, construindo unidades bonitas e chamativas e adaptando o cardápio ao gosto local. Além do hambúrguer com fritas, em Pequim, são servidos tortas de taro e leite de soja com pão frito. Muitos restaurantes se tornaram instituições de bairro, locais populares para grupos de estudo e reuniões de negócios.
- O McDonald's recebe a todos em nossos restaurantes a qualquer hora - disse Regina Hui, porta-voz da rede na China.
Se são bem-vindos ou não, isso fica a cargo do dono da franquia, diz a empresa.
- Somos, definitivamente, um lugar acolhedor, mas não vejo isso como uma política - escreveu em um e-mail Becca Hary, portavoz na sede da empresa em Oak Brook, Illinois, no Estados Unidos.
A questão de haver ou não abuso dessa acolhida existe no McDonald's em todo o mundo. Em 2014, uma unidade em Nova York chamou a polícia para remover um grupo de senhores coreanos que havia transformado o restaurante em um clube social, gastando mais tempo ali do que dinheiro. Ano passado, uma unidade em Manchester, na Inglaterra, foi criticada por se recusar a servir um cliente que usava roupas sujas, pensando se tratar de um sem-teto.
Muitos mendigos dizem ter pouca escolha. Na China, o governo permite que eles permaneçam nos abrigos por um máximo de 10 dias. Além da humilhante necessidade de mendigar, os residentes noturnos do McDonald's precisam lidar com a percepção de que são desonestos.
- Eles podem encontrar empregos, são só muito preguiçosos para procurar. E estão afastando clientes porque cheiram muito mal - disse uma funcionária de um McDonald's em Pequim, que pediu para não ser identificada.
Xinfeng tinha reputação de provocador. Seu hábito era fazer comentários indelicados em voz alta, dizendo que os servidores do governo eram corruptos. Ele, no entanto, trabalha. Na maioria dos dias, sai do restaurante por volta das 8h para vasculhar latas de lixo e caixas nos becos em busca de sucatas de cobre e aço, que vende a um amigo por 80 centavos a unidade. Volta na hora do jantar e espera que clientes abandonem suas batatas fritas e milk-shakes:
- Esse é meu trabalho, esse é meu modo de vida. Não tenho saída - diz, enquanto segue estudando os sorteios da loteria.
* The New York Times