Fotos e imagens: Félix Zucco
No meio da música pop, trechos de rap autorais são cantados. No rock, o berimbau deixa as rodas de capoeira e vira instrumento de percussão. Assim toca a banda Liberdade, em que o nome não significa apenas a criação artística sem barreiras, mas o desejo de voltar a ser livre.
Isso porque ela é formada por 18 adolescentes internados no Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) de Passo Fundo, no norte do Estado. Quatro deles encararam os cerca de 300 quilômetros que ligam a cidade a Porto Alegre para se apresentar nesta terça-feira no Opinião. Com a arrecadação do show, farão nascer uma nova banda, formada por internos de uma das unidades da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase) na Capital.
O quarteto subirá ao palco ao lado do professor de música da banda Liberdade, Marcelo Pimentel, e do juiz da Vara da Infância e da Juventude de Passo Fundo, Dalmir Franklin de Oliveira Júnior. O repertório eclético terá músicas brasileiras, pop, rock e até axé.
- O que leva o jovem para essa desarmonia com a lei é a falta de cultura e educação. A arte salva, faz ele se preocupar em ser e não em ter, muda ele como cidadão - afirma Pimentel, que atua na Liberdade desde sua criação, há seis anos.
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Apesar dos compromissos com a magistratura, Oliveira dedica horários da sua agenda para cantar e tocar com os adolescentes a quem determina as medidas socioeducativas. Se considera um "músico frustrado" e participou da criação da banda por ter o sonho de trabalhar com adolescentes e a musicalização.
- As transformações que as vidas desses jovens podem sofrer em razão da participação neste ou em outros projetos vão para a avaliação (semestral) da medida socioeducativa. Por isso, o objetivo é ter o máximo de programas possível, para inserir os adolescentes conforme seus perfis - afirma o juiz, que convidou a própria banda para tocar ao lado da Liberdade no Opinião.
Música diminui sensação de aprisionamento
Ao ser encaminhado ao Case de Passo Fundo, em fevereiro do ano passado, Mateus*, 17 anos, escutou os ensaios da Liberdade do quarto. Foi logo se oferecendo para integrar o projeto, benefício conquistado quatro meses depois.
- Só de sair do quarto e ir ao ensaio já me sentia mais livre. Agora posso até sair de lá para as apresentações - comemora o adolescente, um dos 70 internos do local.
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A atual coordenadora do projeto no Case, Márcia dos Santos, explica que é preciso ter bom comportamento e desempenho escolar para entrar na Liberdade. Mateus, por exemplo, tinha uma medida que não permitia a realização de atividades externas. Graças à banda, conseguiu uma autorização judicial para tocar no Opinião.
Egresso do Case de Passo Fundo, Gabriel Moreira, 23 anos, participou por seis meses da Liberdade, tempo em que ficou internado no local. Cantava hip hop antes do envolvimento em atos infracionais e descobriu na banda o gosto por outros ritmos. Assim como o ídolo Criolo mistura ao rap influências de diversas raízes, ele passou a compor melhor depois do projeto.
- A música tem um poder de resgate incrível. Pode te posicionar para uma direção correta, de não voltar para o crime. Mostra que tu é maior que isso - conta.
Atualmente pedreiro, Gabriel sonha em trabalhar com música
Convidado à voltar para a Liberdade mesmo fora do Case, o jovem tem acompanhado a banda em apresentações externas e também participará do show no Opinião. Precisa trabalhar como pedreiro para se sustentar, mas tem na música a esperança de um futuro melhor. Se depender da avaliação do professor Pimentel, será um sucesso assim que conseguir um bom produtor.
Grupo de Porto Alegre ganhará instrumentos com verba do show
Toda a arrecadação do show da Liberdade servirá para o nascimento da banda Clave de Sol, que será formada por internos do Centro de Atendimento Socioeducativo Padre Cacique, em Porto Alegre. A unidade atende cerca de 80 adolescentes, das regiões do Litoral Norte, Vale do Rio Pardo e Vale do Taquari.
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O trabalho com música no local iniciou-se há três anos, mas estava desativado há dois. Graças à parceria da Fase com o Instituto Tolerância, que forneceu dois professores de música à instituição, uma oficina semanal foi retomada este ano. Conta com a participação de sete internos, mas têm instrumentos insuficientes e deteriorados.
Com a arrecadação da apresentação da Liberdade - que ganhou destaque nacional e participou de programas de televisão como o Como Será?, de Sandra Annenberg -, a Fase espera adquirir equipamentos suficientes para formar a Clave de Sol e ampliar a participação de internos.
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Criada em 2009, a Liberdade já ajudou na ressocialização de 700 jovens, conforme o coordenador do Núcleo de Esporte, Lazer, Cultura e Espiritualidade da Fase, Isair Barbosa Abrão. À época lotado no Case de Passo Fundo, o pedagogo ajudou na criação do projeto e pretende levá-lo para outras unidades, já que a atividade melhora a autoestima e a conduta dos internos.
- A questão da ressocialização entra no momento em que o adolescente tem de participar de um grupo, depender de outro para manter o ritmo. Adolescentes com desentendimentos ficaram mais sociáveis e disciplinados depois da banda. É um grande aprendizado para quem está tentando mudar de vida - afirma Abrão.
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SERVIÇO
Festa Dia do Bem
Shows da Banda Liberdade, Klaus e Vanessa, Expesso Livre, Mano Changes, DJ's Rafinha e Capu e MC Jean Paul
Nesta terça-feira, às 20h, no bar Opinião
Ingressos custam R$ 15
O que é o dia do bem?
Movido pelo questionamento "estamos fazendo a coisa certa?", o Instituto Tolerância criou neste ano o Dia do Bem, em que serão realizadas várias ações relacionadas aos direitos humanos, entre elas a festa em que a Banda Liberdade toca. Entre as outras atividades estão um seminário sobre tolerância, teatro para crianças, oficina de bonecas de pano e doação de livros.
*O nome do adolescente foi trocado em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente
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