Uma cena que se tornou comum: crianças isoladas em seus mundinhos, entretidas com equipamentos eletrônicos. Ela costuma acontecer enquanto os pais tentam comer "em paz" num restaurante ou em casa, quando querem tomar um banho com calma ou dormir. A tranquilidade se instala quando os pequenos se debruçam em celulares e tablets. Porém, segundo especialistas, essas ferramentas estão contribuindo para a mudança de comportamento de algumas crianças e devem ser usadas de maneira consciente.
Especialista em Psicologia Clínica, Infância e Família, a psicóloga Cristina Saling Kruel recomenda que nenhum aparelho eletrônico esteja em uso durante as refeições, no banho e na hora de dormir. Segundo ela, esses são momentos oportunos para o contato amoroso e a conversa entre pais e filhos.
- Se nessas ocasiões a televisão está ligada ou o celular é acionado, certamente haverá uma perda no que se refere à troca afetiva e à comunicação - afirma.
O norte-americano Jim Taylor, PhD em Psicologia, é um crítico ferrenho da influência tecnológica no mundo infantil. Ele analisou a relação das crianças com a tecnologia e listou os prejuízos causados pelo excesso de eletrônicos nos primeiros anos de vida dos pequenos. Uma das constatações do pesquisador é que a geração atual está menos altruísta, ou seja, menos preocupada em ajudar ou oferecer coisas boas ao próximo.
Conforme Taylor, as crianças de hoje ficam conectadas por horas no computador, no videogame, no celular e em outros aplicativos, deixando de lado os interesses de terceiros. Ele acredita que, em função do entretenimento eletrônico, as crianças estão menos dispostas à construção de novas amizades, têm dificuldade em confiar no outro e se tornam indiferentes aos assuntos de casa.
Cristina Kruel, porém, diz que não se pode afirmar que as crianças muito ligadas em tecnologia tenham dificuldade em se relacionar.
- O uso das redes sociais pode, inclusive, ampliar as habilidades sociais de um jovem mais inibido. Os jovens podem se sentir inseguros para iniciar uma conversa pessoalmente, e o ambiente virtual pode facilitar esse começo. Basta acompanhar para saber se o relacionamento que se inicia virtualmente favorecerá o convívio social posterior - avalia.
Na turma da professora Deise Kieling, os alunos da 2ª série usam tablets e smartphones para aprender a escrever e até a fazer continhas (Foto: Jean Pimentel / Agência RBS)
Os prejuízos e benefícios que essas ferramentas podem trazer para as crianças dependem muito do modo como são usadas, diz Cristina. A psicóloga salienta que os equipamentos não precisam ser utilizados diariamente e a frequência do uso dependerá da rotina familiar, da idade da criança ou do adolescente e do uso que se faz deles:
- Os jovens usam o computador como ferramenta de busca de conteúdos para o estudo e como forma de entretenimento. Cabe a cada família avaliar e supervisionar o uso dos equipamentos, viabilizando a diversificação das atividades diárias da criança e do jovem.
Menos celular, mais diálogo
Apesar dos receios, vetar o uso de eletrônicos não é recomendado. Afinal, as crianças já nascem em um ambiente em que o contato com a tecnologia é natural. Ainda na maternidade, elas são fotografadas e filmadas. Com poucos meses de vida, já têm acesso ao celular dos pais ou ao controle remoto da TV. A questão é saber evitar que seu filho se torne um refém de aparelhos e aplicativos eletrônicos.
- A tecnologia é inerente à experiência de estar vivo para grande parte da população. Ainda assim, sabemos que os bebês não se beneficiam com o uso de celulares, computadores ou televisão - salienta a psicóloga Cristina Kruel.
O primeiro passo para evitar que o uso das tecnologias anestesie as crianças é estabelecer limites e oferecer diversões mais saudáveis, como passeios ao ar livre, brincadeiras e conversas.
- Eles necessitam de contato com pessoas, de um cuidado estável, atento e responsável, e isso não inclui o uso de equipamentos tecnológicos - diz Cristina.
A psicóloga ainda destaca que, até a fase pré-escolar, a criança necessita de contato humano, cuidado próximo e afetivo, enfim, de estar junto da família. Segundo Cristina, nessa etapa da vida, os equipamentos tecnológicos não são importantes, pois os desafios da criança dizem respeito ao reconhecimento de seu corpo, aos relacionamentos interpessoais e a conquista da autonomia.
Em busca de equilíbrio
Na casa da família Vieira, os limites são colocados e a conversa sobre o uso de aparelhos tecnológicos é constante. O filho mais velho, Emanuel, 15 anos, precisou ser repreendido pela mãe por ficar muito tempo em frente ao computador. No ano passado, as notas começaram a ficar ruins, e ele pegou exame em algumas disciplinas.
- Este ano, colocamos limites e ele está indo bem na escola. Tem horário para estudar e, também, para ficar jogando - conta a mãe, Janete de Franceschi Vieira, 46 anos.
A filha mais nova, Joana, 7, não demonstra tanto interesse nas ferramentas digitais. Os pais colocaram um computador no quarto da menina, mas ela raramente liga o equipamento.
- Ela até joga junto com o irmão, às vezes, mas gosta mais de brincar de boneca. Já a televisão, sim, ela gosta de olhar - diz a mãe.
Segundo especialistas, estar presente com os filhos diante do computador, tablete ou TV - tanto como companhia quanto como guia - é fundamental. São momentos que abrem a possibilidade de conversarem sobre o que estão vendo, como ocorre quando se lê um livro.
Conforme a psicóloga Cristina Kruel, os benefícios dos equipamentos tecnológicos são inúmeros e se relacionam com a razão pela qual eles foram desenvolvidos: facilitam a comunicação, ampliam o acesso à informação e nos permitem um
cotidiano mais prático. Já os malefícios, segundo ela, têm a ver, em especial, com o uso excessivo e com os riscos proporcionados pela possibilidade de contato com estranhos:
- Pode haver uma redução das interações familiares, dificuldades relativas ao sono da criança e do jovem, o baixo engajamento do jovem em atividades esportivas, dificuldades alimentares, exposição ao risco de uso inadequado da imagem da criança e risco de contato com criminosos.
Na casa de Janete, as providências para aumentar a segurança das relações virtuais do filho adolescente já foram tomadas.
- Meu filho joga em rede e cuidamos para ele não se envolver com pessoas que não são conhecidas - salienta Janete.
A tecnologia como ferramenta de apoio
Na intenção de captar para si a atenção da geração conectadada, há cinco anos a coordenação pedagógica do Colégio Franciscano Sant'Anna decidiu introduzir as ferramentas digitais em sala de aula. Desde então, tablets e smartphones servem de apoio às atividades curriculares nas tarefas.
As crianças, mesmo pequenas, já chegam ao colégio familiarizadas com essas tecnologias. Na turma de 2ª série comandada pela professora Deise Kieling, 21 dos 32 alunos têm contas no Facebook e quase todos têm seu próprio aparelho eletrônico. Porém, os pequenos não idolatram as máquinas. Eles dizem que usam o tablet ou o celular só nos fins de semana ou quando não têm nada para fazer em casa. E ainda reclamam do uso excessivo desses aparelhos pelos pais e irmãos.
- Meu irmão só fica no computador. É difícil tirar ele de lá. Vai ficar com dor nos olhos - reclamou uma aluna de 7 anos.
- A minha mãe não passeia, fica só no Whatsapp - relatou um coleguinha, da mesma idade.
A professora Deise, que leciona há 27 anos na escola, acompanhou a mudança na forma de ensinar e acredita que as ferramentas tecnológicas são aliadas dos docentes.
- Eles precisam estar inseridos no mundo da tecnologia, mas também brincar e se exercitar. Por exemplo, estamos estudando dúzia e meia dúzia na aula de matemática. Eles fazem as contas no caderno e conferem se está certo no tablet ou celular - observa.
Os pequenos ainda têm aulas de informática, na qual usam jogos que ajudam a aprimorar a escrita. E a professora acrescenta que o uso da internet facilita o aprendizado e faz com que as crianças sejam mais informadas hoje em dia.
- Temos o desafio de despertar a atenção das crianças em sala de aula, mas usamos isso de forma consciente e ética - salienta a coordenadora da escola, Clarissa Lorenzoni.