Preparar um alimento numa panela de barro, socar um ingrediente com pilão de madeira ou usar peneiras que passaram por gerações dentro de uma família: isso tudo vai muito além do simples ato de cozinhar. É uma manifestação cultural.
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Quem defende este tipo de produção alimentar, baseada em tradições, é Raul Lody, antropólogo e especialista em antropologia da alimentação. Ele é autor do "Manifesto Colher de Pau", que propõe um diálogo com especialistas em vigilância sanitária e higiene. Para ele, a sociedade começou a perder as suas características depois que certos utensílios foram proibidos de entrar na cozinha em prol da segurança alimentar.
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- Certas comidas só vão valer se tiverem aquele processo. É uma questão simbólica. Comida é comunicação, história e religiosidade. Não é só realizar uma receita, é muito mais que isso: é um processo com insumos e conhecimentos culturais nessa preparação. Não é só encher a pança e estamos encerrados - avalia.
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Um desses itens é a própria colher de pau, cuidadosamente escolhida como símbolo das tradições do universo culinário.
- A primeira coisa que foi demonizada foi a colher de pau, mas a gente sabe que pode limpá-la, trocá-la, é barata, pode-se comprar outra - explica.
O utensílio, por exemplo, é vetado dentro de cozinhas profissionais pois é confeccionada em material poroso que facilita a contaminação dos alimentos. Em substituição a ele, o mercado oferece produtos feitos altileno ou mesmo de madeira revestida.
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Acostumado com a rotina das panelas, o chef Floriano Spiess, proprietário restaurante Cozinha de Autor, teve que abolir as colheres de pau do "seu cardápio" mesmo gostando de usá-las.
- É uma tradição de muito tempo. Todas as vezes que converso com uma cozinheira antiga, elas dizem não abrir mão de ter na cozinha uma colher de pau - comenta.
Preferências à parte, Spiess também concorda com o ponto de vista da fiscalização, mas vê um certo preciosismo nas normas.
- Nunca vi ninguém morrer porque comeu algo feito com colher de pau - diverte-se.
Uma polêmica na mesa
Luísa Rihl Castro, nutricionista e professora dos cursos de gastronomia do Senac/RS, acredita que barrar utensílios de certos preparos pode prejudicar toda a questão histórica do alimento e salienta que a discussão gera uma inquietação entre profissionais que atuam com as boas práticas de preparo dos alimentos.
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- Quem não tem a história da vó que usava a colher de pau que fazia a melhor calda ou o melhor doce? - exemplifica.
No entanto, Luísa enxerga que o grande desafio é equilibrar os dois lados: preservar as tradições sem esquecer a segurança do alimento.
- Tem que se chegar em um consenso usando o bom senso - analisa.
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Flavia Silveira, coordenadora da Especialização em Gestão e Gastronomia em Serviços de Alimentação da Unisinos, também fala que se deve ponderar o contexto da retirada desses utensílios do processo de preparo de determinadas comidas:
- A melhor maneira de conhecer a culinária que abastece e move de fato um povo é provar a comida das ruas, servida em barracas, na beira da estrada, em feiras.
Nesses casos, em diversas preparações, a utilização desses elementos tradicionais é necessária e se justifica, pois foi dessa forma que estas comidas foram sempre preparadas em suas raízes, embora a questão de higiene e boas práticas fique bastante negligenciada.
Contudo, Síndia Bonfiglio, professora do Senac/RS, não vê prejuízo em termos culturais mesmo abolindo certo elementos. Para ela, pode-se preservar a cultura na elaboração de um produto mesmo ele cumprindo todos os aspectos higiênicos e sanitários da legislação vigente de boas práticas.
- Há a necessidade de adequar, mas não ha conflito. Pode-se adaptar e garantir um produto seguro.