Claus Meyer é chef, apresentador e empresário, além de um dos sócios do Noma, restaurante em Copenhague, na Dinamarca, que se tornou o queridinho dos críticos pela mistura de purismo locavorista (culinária produzida com ingredientes locais) e métodos de vanguarda. Atualmente, revistas e jornais especializados o consideram o melhor restaurante do mundo. Mas agora Meyer está construindo um restaurante na Bolívia, um experimento em alta gastronomia dos Andes, acompanhado por grandes porções de revolução e ambição.
Meyer foi à Bolívia pela primeira vez no ano passado e já retornou três vezes desde então. O chef descreveu o Gustu, o restaurante que será inaugurado em janeiro, como muito mais que um lugar para comprar um jantar luxuoso no país mais pobre do continente.
Ele e seus seguidores o descrevem como o começo de um movimento gastronômico boliviano que irá redescobrir ingredientes locais como carne de lhama, chunos (batatas desidratadas nas altitudes andinas) e coca, a planta utilizada para fazer cocaína, mas que também é usada há séculos pelos habitantes como erva medicinal estimulante para mascar e fazer chás.
A missão do Gustu é a de ensinar os bolivianos a comer de forma mais saudável, abrindo espaço para o crescimento econômico, o turismo e a exportação, apoiando fazendeiros locais e transformado a gastronomia boliviana na próxima sensação mundial. Se tudo caminhar conforme planejado, afirmou Meyer por telefone de Copenhague, o restaurante vai usar a comida "para mudar o destino de um país".
O novo restaurante está sendo construído no bairro de alta classe de Calacoto e não se parece em nada com a incubadora de uma revolução. Há poucos dias, os pedreiros estavam instalando o isolamento no telhado. A cozinha estava cheia de sacos de cimento e cal, ao invés de farinha.
Michelangelo Cestari, um dos chefs do restaurante, afirmou que aquele seria o restaurante mais avançado do país, repleto dos aparelhos de alta tecnologia da gastronomia molecular que atomizam, espumam e transformam os alimentos.
O restaurante só irá servir ingredientes plantados ou criados na Bolívia. Os vinhos virão dos poucos vinícolas do país e as bebidas se limitarão basicamente ao singani,
um destilado de vinho local.
Cestari apontou para uma parede alta onde os vinhos serão guardados e expostos, ainda que não existam rótulos bolivianos suficientes para encher a parede no começo. A ideia, segundo ele, é ajudar a criar uma demanda por produtos nacionais.
Cestari, que é especializado em massas, nasceu na Venezuela e trabalhou durante anos em restaurantes da Europa. O mesmo vale para a chefe Kamilla Seidler, que é dinamarquesa. O único boliviano entre os grandes do restaurante é Christian Gomez, souschef sênior, que trabalhou durante anos na Espanha.
Eles conhecem muito bem o risco de serem vistos como forasteiros.
- Talvez seja arrogante pensar que podemos chegar aqui e desenvolver uma cena gastronômica - afirmou Cestari. - Mas esperamos poder mudar alguma coisa.
Segundo ele, o cardápio incluirá itens inspirados em pratos bolivianos, como cordeiro na cruz, que consiste em um cordeiro colocado sobre uma cruz de ferro, onde é cozido e defumado lentamente, e uma sopa aquecida com uma pedra colocada dentro do prato.
Entretanto, ao invés de simplesmente servir pratos típicos bolivianos feitos com excelência, a cozinha utilizará alguns dos métodos prediletos de Meyer na Dinamarca,
concentrando-se em alguns ingredientes básicos e tentando encontrar sua essência.
- Não queremos fazer cozinha francesa, fusion ou nouvelle - afirmou Gomez. - Queremos algo com identidade boliviana.
Cestari afirmou que o jantar custará em média de 50 a 60 dólares por pessoa, que é equivalente ao valor dos melhores restaurantes do país, permitindo que muitos bolivianos possam frequentá-lo. O salário mínimo no país é de 143 dólares por mês.
Meyer cuidará em breve dessa contradição, abrindo um bistrô e uma padaria onde as pessoas possam comer sem gastar tanto. Além disso, todos os lucros do restaurante
serão destinados a obras de caridade na Bolívia. O projeto também inclui uma escola de gastronomia para jovens bolivianos de famílias pobres, fornecendo mão de obra bem treinada para o restaurante e, assim espera Meyer, criando uma nova geração de chefs bolivianos experimentais.
Em uma recente manhã, alunos da escola, que funciona em uma mansão no centro de La Paz, enchiam a cozinha, fazendo costelinha de porco e mandioca frita. Em seguida, alguns deles entraram em uma van e foram juntos a um mercado próximo.
Seidler, uma das chefs do restaurante, afirmou que, como chegou há pouco tempo na Bolívia, sempre aprende coisas novas com os alunos. No mercado, Seidler e uma aluna, Belen Soria, falavam sobre diferentes tipos de miudezas. Soria explicava que as mulheres indígenas preparam uma mistura de tripas fritas com batatas para vender em carrinhos
durante a noite.
Soria, de 24 anos, afirmou que cresceu ajudando a avó a preparar e vender api, um tipo de sopa de milho verde vendida em mercados e em barracas nas ruas e consumida de manhã pelos trabalhadores do país.
- Todos sabem de alguma coisa que aprenderam com os avós - afirmou. - Mas agora ela tem menos tempo para ajudar a avó, pois está se concentrando nos estudos. Estamos curiosos para preparar coisas novas, com nossa própria marca.Coisas originais.