O assunto pode parecer batido, mas cada vez mais chefs de todo o mundo - incluindo aí os mais representativos chefs brasileiros - discutem a importância de combater o fastfood e oferecer o que chamam de "comida de verdade". Para isso, procuram respeitar a sazonalidade dos alimentos, conhecer de onde vêm e quem os produz, além de valorizar o que é regional.
Foi com base nessas premissas que chefs nacionais e estrangeiros trataram do tema Descobrindo as Américas: seus Ingredientes e sua Cultura durante o Mesa SP 2012, evento promovido em São Paulo, pela revista Prazeres da Mesa e Senac, entre os dias 5 e 9 de novembro.
A ESTRELA
Gastronomia consciente foi a bandeira defendida por Alice Waters, chef-proprietária do Chez Panisse, na Califórnia, uma das fundadoras do movimento Slow Food e pioneira na defesa da cozinha sustentável. A chef norte-americana alertou para a ameaça do fast-food e o domínio que exerce na forma como as pessoas se alimentam, ao afetar crenças, rituais e cultura gastronômica.
Alice ressaltou que o fast-food impõe a uniformidade, a perda da individualidade, cobra a eficiência com rapidez e a disponibilidade 24 horas por dia. Para ela, a saída é o movimento Slow Food, com a defesa do alimento orgânico e com preço justo pago aos produtores.Ao afirmar que o destino das nações depende muito de como as pessoas se alimentam no dia a dia,AliceWalters foi aplaudida de pé.
O ASTRO
Gastón Acúrio parece assumir mais importância do que a cozinha divulgada por ele mundo afora. E isso que a gastronomia do Peru está entre as mais badaladas do momento. Com uma diversidade de ingredientes - são 5 mil tipos de batatas, 40 de quinuas e 35 de milho -, o país tem orgulho de sua diversidade cultural e revela receitas caseiras, do dia a dia da população. Mas Acúrio, que tem mais de 20 restaurantes em 11 países, faz questão de mostrar que os sabores vão além do ceviche e do pisco sour, da tradição e do clássico. Um exemplo é o prato natureza, um ninho de uma raiz ornamental sustentada por pralinés de manitol (um tipo de açúcar) em forma de ovo com gema de granadine de maracujá, merengues de água de maçã com albumina, pasta filo de castanha e folhas de amaranto.
O VISIONÁRIO
O italiano Carlo Petrini, diretor do movimento Slow Food, alertou para a crescente perda de espécies genéticas de frutas, verduras e animais. Citou como exemplo a Itália, que, de 1900 até hoje, perdeu 5 tipos de raças de gado e ovelhas. Mostrou-se preocupado com o fato de 80% das sementes estarem nas mãos de cinco multinacionais, defendeu que a semente é a essência da vida e deveria ser considerada patrimônio da humanidade. Sem esquecer que o desperdício é outra ameaça: 40% dos alimentos produzidos no mundo vão para o lixo.
Petrini defendeu que reduzir o desperdício é uma missão da educação e da política, que é preciso conter o dilúvio da perda da biodiversidade, que os produtores precisam de um pagamento justo, que todas as cozinhas do mundo devem ter o mesmo valor, sem hierarquias, que o queijo de leite pasteurizado deve ser tratado como um orgulho nacional e que é preciso combater a ideia de que o dinheiro vem à frente de tudo. "Não se come dinheiro", declarou, e foi ovacionado.
O NORDESTINO
Wanderson Medeiros, do Picuí, em Maceió, defende a cozinha e a cultura nordestinas através de suas receitas. Em uma cuscuzeira de barro, feita por uma das últimas artesãs de Alagoas, mostrou o surubim com sururu. Considerado um
especialista em cura de carne, inovou ao apresentar uma carne de sol de peito de pato, cozida em baixa temperatura.
Mas foi ao exaltar o valor da culinária do Nordeste e lamentar que o próprio povo nordestino tenha tanta dificuldade em reconhecer o valor dela que arrancou longos aplausos da plateia.
OS ECOLOGISTAS
A costa brasileira agradece. Thomas Troisgros e Rafael Costa e Silva fizeram um alerta contra a pesca industrial. Para eles, esse tipo de pesca tem sido responsável pela extinção da sardinha de Ilha Grande, no Rio de Janeiro. Mais prejudicial ainda é a pesca de camarão: para cada quilo de camarão grande, as redes acabam trazendo 50kg de outros organismos marinhos. Além disso, os peixes com pouco valor comercial são descartados ainda no barco. Para solucionar o problema, sugeriram a criação de áreas de proteção como a existente em Paraty, repressão aos pescadores que utilizam redes irregulares e aos grandes atacadistas, incentivo à pesca artesanal e o incentivo para que os chefs utilizem peixes considerados não tão nobres.
A GAÚCHA
O tom da palestra de Roberta Sudbrack foi dado pela amiga e chef Eliane André, que, com a voz embargada, leu um trecho da carta de Pero Vaz de Caminha lembrando a exuberância da natureza brasileira em 1500. Com muito humor, Roberta fez uma crítica ao aparato tecnológico que invadiu o mundo da alta gastronomia e ameaça tornar tudo igual.
A chef gaúcha mostrou que a cozinha pode ser ao mesmo tempo deliciosa e simples, conectada com os produtos regionais. Apresentou a ostra vegetal, miolo do tomate ultragelado, temperado com flor de sal e um ramo de salsa crocante, que faz sucesso no menu-degustação de seu restaurante, e o miolo de palmito servido in natura.