Prevenir a solidão na terceira idade é um investimento que deve começar a ser feito bem antes dos 60 anos.
Para o psicólogo paraibano Marcos Lacerda, 56 anos, não se pode depender da família, mais especificamente dos filhos, ou das relações conjugais para se ter companhia na velhice. O ideal, segundo o autor de Entrevista com a Solidão (Editora Latitude, 196 páginas, R$ 64,90), é criar e manter amizades ao longo do tempo.
— O que sobra? Os amigos que construí e envelheceram ao meu lado — garante.
Nesta entrevista, Lacerda discorre sobre por que o isolamento é mais comum na velhice e também estabelece as diferenças entre solidão e solitude — enquanto a primeira é uma imposição, a segunda é uma escolha.
Por que a solidão é mais frequente na velhice?
Porque vivemos numa sociedade de produção. Como o velho não produz mais, é relegado, deixado num canto. As duas categorias mais abandonadas na nossa sociedade são o velho e a criança, que estão fora da linha de produção. Dentro do sistema capitalista, ou você é uma peça útil, ou é largado. O velho que não é solitário é o que tem a aposentadoria que sustenta todo mundo na casa, ele é necessário. Se você não presta para dar lucro, você não presta para nada. Além disso, o que também torna a velhice muito solitária é que vivemos uma sociedade que cultua a juventude. Ao cultuar essa juventude, cria-se a fantasia de que não vamos envelhecer. O jovem sempre acha que será jovem para sempre. De repente, a gente olha e diz: "o que aconteceu com meu corpo?". Precisamos começar a plantar uma velhice não solitária já na juventude. É a partir daí que se planta uma velhice legal, com amigos. Você precisa ter amizades que envelheçam com você. O mito de que uma família vai salvá-lo na velhice é fantasioso. Se eu for bom pai e boa mãe, meus filhos vão embora. Essa história de gente com 40 anos morando com os pais não dá. Espera-se que eles ganhem o mundo, tenham a profissão deles.
Apostar em filho como modo de uma velhice não solitária é um erro. Ao apostar que 'me casei, sou feliz e vou ter essa companhia para sempre', a gente esquece que toda relação vai acabar em algum momento — porque o amor acabou ou porque um dos dois morreu. O que sobra? Os amigos que construí e envelheceram ao meu lado.
MARCOS LACERDA
Psicólogo
É preciso ter grupos de amigos, da comunidade, do clube, do trabalho social, da igreja. É preciso que as pessoas, para não terem uma velhice solitária, entendam que, ao se aposentar da carreira, não estão se aposentando da vida. Preciso ter sonhos, projetos. Outro erro é o de associar a velhice à morte. A morte não está associada à velhice, a morte está associada à vida. Muitas pessoas velhas pensam que já estão perto da morte. Quem pode saber se está perto da morte?
Até que ponto a solidão deve ser suportada?
Ponto nenhum. Se faz uma confusão entre dois conceitos distintos: solidão e solitude. A solidão é imposta, não é escolhida. Quando digo que adoro estar na minha casa sozinho, ver séries, ler meu livro, isso não é solidão, é algo escolhido. A solidão é imposta, você se sente de fato não fazendo parte de nada, não tem ninguém, se sente isolado, não pertence a nenhum grupo, está apartado socialmente, e isso não é uma escolha. A solitude é uma escolha, e uma escolha muito necessária. Tem momentos em que preciso mesmo ficar comigo, porque eu quero, mas não estou sozinho. Pense num velho que olha ao redor e diz: de que grupo faço parte? Quem está comigo? Quem está por mim? E você não encontra ninguém.
Solidão pode gerar depressão?
A solidão é causa e também efeito. Não é necessariamente causa, mas pode ser efeito. Tem a pessoa que se deprimiu porque é muito solitária e a pessoa muito solitária porque está deprimida. As duas coisas são possíveis. A solidão pode gerar ou pode agravar a depressão ou pode ser agravada pela depressão.
Como lidar com a solidão?
Em primeiro lugar, não se isole. Procure grupos. Se você não conseguiu fazer amigos durante a vida, por quaisquer motivos, procure grupos. Você vai ter que encontrar o grupo com que mais se identifica: religião, dança, teatro. Não fique isolado. O isolamento precisa ser voluntário, quando eu quiser. Em segundo lugar, perca a vergonha. Nada é mais saudável do que um velho sem vergonha, em todos os sentidos. Muitos velhos começam a ter vergonha das limitações físicas. Já vi idosos que eram convidados para ir ao shopping mas não iam porque teriam que andar de cadeira de rodas e viam isso como algo humilhante. Bengala, fralda, isso pode começar a deixar a pessoa mais reclusa e fazê-la ir perdendo as conexões. Velho saudável é velho sem vergonha das limitações e da sexualidade, que existe e está viva. Talvez não no modelo juvenil, ligada ao genital, mas ligada ao erótico: fazer carinho, fazer as coisas de forma cúmplice. Não precisamos ter a genitalidade eterna. Existem muitas formas de se ter erotismo.
As pessoas ficam no 'não posso envelhecer, não posso envelhecer', mas nós vamos envelhecer. Adapte-se a isso.
MARCOS LACERDA
Psicólogo
Depois dos 50 anos, comecei a experimentar o envelhecimento de forma muito curiosa. Comecei a sentir a gravidade mais forte (risos). Se vou correr, é mais pesado correr hoje. Não é a gravidade que aumentou, é o meu corpo que está mais fraco mesmo. Levo isso com bom humor. Coisas que eu fazia na academia até cinco anos atrás, hoje olho e penso que não conseguirei fazer se tentar. Basta olhar para saber. E tudo bem, vamos adiante.
O que familiares podem fazer para ajudar?
A família pode ajudar dando atividades a esse idoso. Se você não consegue estar com seu idoso com frequência porque a vida não permite, dê atividades para ele se sentir útil. Você pode até não precisar, mas pode dar essas atividades a ele. “Mamãe, preciso que a senhora fique com seus netos hoje”, “preciso que pegue as crianças na escola”.
A família tem que dizer: 'eu preciso de você, você é útil e eu preciso de você'. As pessoas têm sempre a ideia de que não se deve importunar o velho porque o velho está cansado. Mas ele está cansado de ser tratado como inútil.
MARCOS LACERDA
Psicólogo
Certa vez, tive uma paciente que passou num concurso e ia viver em outra cidade, muito fria. No Nordeste, há uma série de roupas que não fazem sentido no sul do país. Ela estava irritada porque a avó resolveu ajudá-la e botava nas malas um monte de coisas de que ela não precisaria. Você não está entendendo que a sua avó está tentando elaborar a sua saída de casa, participando? Deixe a sua avó fazer todas as suas malas e, quando ela sair, você as abre e tira tudo o que não quiser. Ela está precisando elaborar esse luto da neta que vai embora. Ela deixou, e a avó ficou felicíssima. É preciso que se inclua o idoso, que se pare a exclusão.