Maya olhou para mim e disse: “Tu é a mamãe”. Estávamos no supermercado, ela sentada no carrinho de compras, eu empurrando. “Se eu sou a mamãe, a Maya é quem?”. Devolvi, me achando muito esperto. “Sordi Milman”, ela afirmou de bate-pronto, pronunciando todo o seu sobrenome. Claro: eu sou a mamãe e ela é a Maya Sordi Milman. Eu ri. Continuamos nossas compras. Faltava o Polenguinho, item de primeira necessidade. E as bananas, que haviam sido descarregadas havia pouco. O responsável pelo setor ainda organizava os cachos na prateleira. “Tu é a mamãe”, Maya disse outra vez. Uma senhora que passava por nós não se aguentou e caiu na gargalhada. “Eu sou o papai, Maya”, contra-argumentei com carinho. “Não. Tu é a mamãe”.
Comecei a ficar meio atrapalhado. Como gerir o impasse da forma correta? Não posso confirmar que sou a mamãe porque não sou a mamãe. Mas como negar que sou a mamãe antes de entender o porquê daquilo? Não quero reprimir algo que não compreendo. Será que ela está dizendo que quer a mamãe e não a mim? Fiquei angustiado.
“A Maya coloca as bananas no saquinho, tá bom?” O melhor que consegui foi essa manobra diversionista. Tipo, vamos falar sobre outra coisa. “Tá bom, mamãe”, foi a resposta.
Nesse momento, me lembrei de uma outra cena, há uns 15 anos, quando minha filha Ana, então uma pitoca ainda de fraldas, olhou pra mim e perguntou: “Papai, da próxima vez que eu nascer, posso nascer da tua barriga?”. Foi absolutamente desconcertante. E lindo.
Então, encontrei uma explicação para a insistência da Maya, do alto dos seus dois aninhos de idade. Havíamos chegado na véspera da praia, onde passamos alguns dias em família, nos divertindo e convivendo o dia inteiro. Estávamos agora ali, ela e eu, juntos, rindo e passeando em um lugar diferente. Eureka! “Tu é a mamãe” significa “eu te amo” em mayolês. Não sei se é exatamente isso, me perdoem os especialistas. Mas foi assim que senti. Busquei a atenção dos olhinhos dela e afirmei: “Eu sou a mamãe, mas também sou o papai. Pode escolher”. Espero não ter confundido sua cabecinha. Pelo jeito, não. Porque terminamos nossas compras de forma triunfal. Encontramos o Polenguinho! “Quero um”, Maya disse. Abri a embalagem de papelão, peguei um quadradinho, retirei o laminado e entreguei a ela. Na hora de pagar, a caixa me alertou: “O Polenguinho está aberto, o senhor quer trocar?”. Agradeci e apontei para a boca lambuzada da Maya. Quase disse: “Foi a mamãe que abriu”. Mas fiquei quieto, para não começar tudo de novo.