Faz algum tempo, abandonei o estilo “dedo em riste”. Fiscalizar e denunciar são atividades necessárias, quando exercidas com responsabilidade, o que faz o jornalismo profissional. Mas, pessoalmente, cansei da gritaria. Hoje, as bolhas nos empurram para uma outra lógica, que se retroalimenta com o aplauso dos semelhantes e com o “ter razão”, pouco importando o que dizem os fatos.
Fiquei pensando nessa preguiça de ser sincero, expressão criada pelo Humberto Gessinger, enquanto caminhava por Porto Alegre durante a semana. Respirei fundo e me enchi de coragem. Lá vai: as calçadas da minha cidade são uma vergonha. Malcuidadas, afrontam o direito de ir e vir, especialmente dos idosos e de pais, mães e cuidadores que empurram carrinhos. Isso sem falar nas pessoas com deficiência. Sei que já existe uma polêmica instaurada sobre o tema. Ela é desnecessária. Bastaria cumprir a lei. A calçada é de responsabilidade do proprietário do imóvel. Não cuidou? Aviso e, depois, multa.
Por dever de justiça, devo reconhecer o esforço de um prefeito que realmente se preocupou com o tema. Tarso Genro bateu forte, exigiu, reclamou e fez valer as regras. Depois dele, uma que outra iniciativa, uma campanha aqui, outra ali. Enquanto isso, pessoas tropeçam, caem ou, tão grave quanto isso, se desestimulam a sair de casa com medo de obstáculos perigosos e traiçoeiros. Pensei em criar um site, ou um aplicativo, chamado “Calçadas da minha cidade” e usá-lo para mostrar bons e maus exemplos. Daria muito trabalho e, provavelmente, eu seria processado por algum dono de imóvel relapso que se julgaria atacado em sua honra e dignidade.
Só sei que é uma vergonha. E olha que eu caminhei por dois dos bairros com os metros quadrados mais caros da Capital. Fica aqui o meu protesto meio desesperançado. Sei que existem temas bem mais importantes. Até que aconteça com você, com um amigo ou com um parente. E tomara que não, porque aconteceu com a minha filha, algum tempo atrás. A culpa não foi do Lula ou do Bolsonaro, alvos dessa doentia obsessão nacional. A culpa foi de um indivíduo que não fez o que deveria fazer. Talvez por estar mais preocupado em brigar na internet em uma guerra na qual ele é apenas massa de manobra. Acredite: são as pequenas ações individuais do dia a dia que fazem uma cidade, um país e o mundo melhores. Terceirizar todas as culpas, eu sei, é bem mais fácil.