Entre os vencidos e os vencedores nas eleições de domingo, um nome merece atenção especial: Tarcísio de Freitas. Ex-ministro de Bolsonaro, o futuro governador de São Paulo é a maior novidade do cenário político brasileiro. Já na segunda-feira, fez dois movimentos que indicam sua disposição de adquirir vida própria daqui para frente. Primeiro, deu entrevistas a todas as emissoras de TV, em tom cordial e objetivo. Numa delas, concedida à Rede Globo, fez o segundo movimento. Deixou claro que manterá relações “republicanas” com o governo Lula.
Não é difícil imaginar que, no Palácio do Planalto, o ex-chefe tenha torcido o nariz. Mais do que uma afronta, a disposição de Tarcísio é uma amostra de que ele compreende a responsabilidade que tem pela frente. Não será surpresa se, no futuro próximo, se descolar de Bolsonaro e se transformar no mais relevante líder conservador do Brasil. Engenheiro e militar da reserva, Tarcísio trabalhou no governo Dilma, o que lhe garante um trânsito mais fluido no novo mapa do poder nacional. Já na sua primeira eleição, conquistou o governo do Estado que responde pela maior fatia do PIB nacional.
Nos já quase quatro anos do governo Bolsonaro, não há sequer uma frase polêmica ou geradora de conflito atribuída a ele. Nesse período, liderou um ousado projeto de privatizações, conquistando a confiança de empresários, tanto no Brasil quanto no Exterior.
É incrível como o centro de gravidade do poder exerce uma atração gigantesca sobre quem orbita ao reder dele. O café começou a esfriar no Palácio do Planalto. No domingo à noite, mal o resultado havia sido anunciado, antigos aliados de Bolsonaro já olhavam para o futuro de forma pragmática e racional. Não me refiro aqui especificamente ao ex-ministro, mas a outras forças política e econômicas do país.
Jair Bolsonaro, sem a caneta na mão, precisará de muita paciência e maturidade para lidar com a mudança de foco dos holofotes. Seu ex-assessor agora ocupará o centro do palco. O enredo é antigo: a criatura se volta contra o criador. Não é exatamente isso o que deve acontecer. Quem conhece Tarcísio sabe que as palavras traição e deslealdade não fazem parte do seu vocabulário. Mas talvez, olhando para o passado recente, o criador, independentemente da imposição da nova realidade que se configura, tenha alguma dificuldade para lidar com o crescimento da criatura. Isso também não é incomum.