A história é maravilhosa: uma avó estava na beira da praia com seu netinho. De repente, vem uma onda e leva a criança.
A avó, desesperada, olha para o céu e suplica: “Meu Deus, traga meu netinho de volta, por favor. Serei devota e rezarei todos os dias, farei doações aos necessitados. Meu Deus, por favor...”
Então uma outra onda vem e traz a criança de volta.
A avó olha para o netinho. Olha para o céu. Olha mais uma vez para o netinho. Olha mais uma vez para o céu. E reclama: “Pô, Deus, custava devolver o chapeuzinho também?”.
Quem contou foi a Bruna Lombardi, colega colunista de Zero Hora. Tive a alegria de estar com ela e com a genial antropóloga e escritora Mirian Goldenberg em um evento sobre felicidade e longevidade, em Porto Alegre. Bruna entrou no palco acompanhada por uma música suave. Convidou a plateia a meditar. Foco na respiração, no aqui e agora. Depois, ela e Mirian falaram sobre propósito, respeito e sobre um monte de coisas que deveríamos saber.
Horas antes, quando me preparava para o evento, deparei com um vídeo da Bruna narrando essa história da onda. Antes que o talk show terminasse, pedi para a Bruna repeti-la ali, ao vivo. Ela, gentilmente, topou. A reflexão oferecida pela parábola tem a ver com uma marca do nosso tempo: a insatisfação. Nos acompanha, invariavelmente, a sensação de que falta algo. E que esse algo nos deve ser alcançado por alguém. Se não, a gente reclama, mesmo que tenhamos conseguido o mais precioso: o netinho, que representa família, afeto, segurança, continuidade e amor.
Sempre lutei contra essa moda de querer parecer guru. Nem a mim mesmo eu quero convencer, imagina aos outros. Peço, então, desculpas pela ousadia. Mas sinto que esse sentimento de insatisfação está ligado a um outro, igualmente destruidor: a intolerância. Tanto faz a verdade de quem não pensa como eu. O que importa é ter razão, premiada pelo aplauso da bolha. É assim que a diferença vira ameaça. Em vez de pontes, erguemos muros.
Depois de meditar e de ouvir a Bruna e a Mirian, saí do teatro com o animo renovado, leve e feliz. E se você vinha curtindo o texto até aqui e ficou profundamente irritado porque escrevi a palavra ânimo, propositadamente, sem o acento (sim, faltou o chapeuzinho), se ficou com vontade de me chamar de analfabeto e de cancelar a assinatura de ZH, eu tenho uma boa história para contar: uma avó estava na beira da praia com seu netinho...