Até pouco tempo atrás, eu não imaginava estar aqui. Aconteceu assim:
Fui visitar o David Coimbra há mais ou menos 30 dias. Fazia meses que não nos víamos, embora falássemos por WhatsApp ou por telefone de vez em quando. Combinei que chegaria às 16h30min. Era sábado. Me confundi.
Bati na campainha meia hora antes. Ato falho tão óbvio, que nem merece explicação. Me desculpei com a Marcinha. Logo o David desceu, com cara de sono e de dor. Conversamos por 40 minutos sobre trabalho, sobre chopes, sobre a vida e sobre o imbróglio político do Brasil. Lá pelas tantas, o David se deitou no sofá. "Sentado eu sinto dor", me disse, contraindo os músculos do rosto. Duas vezes, fiz menção de ir embora. Achei que ele precisava descansar. "Fica mais um pouco", me pediu em ambas. E eu fiquei.
Na terceira, fui.
Essa doença longa, com tantos altos e baixos, me deu a chance de uma despedida diluída em 10 anos. Não sei se é melhor ou pior, mas foi assim. Nas Olimpíadas de Londres, em 2012, o David já se queixava de uma dor bem no meio do peito. Era a metástase óssea, descobriu depois.
Lembrei desse fato quando, ao sair, bati o portão da casa do David naquele sábado. Tive a sensação de que não voltaria a vê-lo. Certeza a gente nunca tem. Entrei no carro emocionado, mas não triste. Pensei nos anos todos, nas aventuras, nas viagens, no pub irlandês de Boston, nas conversas. Pensei na Jaqueline, minha esposa, que me foi apresentada por ele. Lembrei quando combinamos, Jaque e eu, que nosso bebê se chamaria David se fosse um menino. Veio uma menina, a Maya. "Maya David", eu brincava com meu amigo, que dava gargalhadas.
Agora, ele segue me dizendo: "Fica mais um pouco". No nosso último encontro, não pedi o mesmo a ele, embora quisesse, porque entendi exatamente o que estava acontecendo ali. E aconteceu. Faz duas semanas. Na quarta passada, meu telefone tocou.
Fiquei feliz ao saber quem escreveria na última página de ZH, a do David. "É uma escolha óbvia", eu disse à Marta Gleich, quando ela me convidou para escrever onde antes o Carpinejar, agora promovido, derramava seus saberes e suas incertezas existenciais.
Há duas semanas, eu não imaginava estar aqui. Agora, é um jeito possível de ficar perto do David, um colega que sempre chamei de amigo. E sobre o qual não precisei, como tantas vezes acontece em meio às emoções da despedida, exagerar adjetivos e elogios ao falar sobre ele, depois da sua morte.