O mundo assiste, admirado, aos movimentos da China no combate ao coronavírus. Cidades inteiras fechadas e hospitais sendo construídos em velocidade frenética são os cartões de visita desse mito da eficiência oriental. Nada há de meritório, pelo simples fato de que, em uma democracia, nada disso seria possível. Cercear o direito de ir e vir? Um juiz federal do Maranhão aceitaria o pedido de liminar cinco minutos depois do anúncio e derrubaria o decreto presidencial. Mesmo que a segunda instância mudasse a decisão, uma rede de transporte clandestina passaria a funcionar no segundo dia, levando e trazendo pessoas a preços convidativos.
No caso dos hospitais, seria ainda mais complicado. A necessidade de licenças ambientais, aprovação de projetos e alvarás, além de eventuais queixas de vizinhos e invasores do terreno emperrariam antes da largada. Alguma empreiteira alegaria necessidade de edital e trancaria tudo. E, na escavação das fundações, um caco de porcelana, possivelmente resquício de um penico do século passado, levantaria dúvidas sobre a necessidade de avaliação arqueológica do lugar.
Cobri as Olimpíadas de Beijing, em 2008. Lá, aos cochichos, um morador local me contou, enquanto passávamos por um novo e monumental bairro, que até pouco havia ali uma espécie de favela urbana. Perguntei pelos antigos moradores. Meu anfitrião mudou de assunto.
É incrível como o crescimento econômico da China ofuscou o debate sobre democracia e liberdade. Ninguém mais fala nisso. Há apenas os números da balança comercial e o medo da queda no crescimento do PIB. Se isso acontecer, aí sim, talvez, o mundo volte a falar sobre a aniquilação do Tibete, sobre repressão, sobre censura e sobre opressão.