Adotei um modelo simples para a compreensão e a análise do que acontece hoje no Brasil. Separei governo e presidente. Por mais paradoxal que pareça, são coisas cada vez mais diferentes, um fenômeno novo e ainda sem molduras definitivas.
Jair Bolsonaro é um político atormentado por delírios paranoicos, falastrão e gerador compulsivo de conflitos. Avalio aqui apenas a sua face de homem público. Fato: seu governo é melhor do que isso. Embora passível de críticas, vem conquistando avanços em áreas devastadas pelos anos de PT. Há hoje menos corrupção em Brasília, a liberdade econômica se afirma como realidade e a reforma da Previdência avança. Por si só, esses três pontos justificariam a eleição de Bolsonaro, se ele mesmo não investisse tanta energia na imposição de pautas estapafúrdias e desconexas ao país.
Muitas vezes, é como se o governo não ouvisse o presidente. E vice-versa. Não falo aqui de divergências naturais e das intrigas palacianas, marcas de todas as estruturas de poder, com maior ou menor intensidade. Me refiro a uma realidade nítida: apesar do presidente, o governo funciona em muitas áreas.
Mais uma contradição aparente: foi Bolsonaro quem escolheu sua equipe. Logo, tem méritos por isso. Mas na prática, o presidente joga, muitas vezes, contra a sua própria administração. Não pela defesa das suas ideias, boa parte delas legítimas, como a pauta religiosa e mesmo a de costumes, capitaneada pela exaltação da família. Não é preciso concordar, mas é fundamental respeitar. O que atrapalha é a forma como faz, separando entre nós eles e, com isso, criando abismos de radicalismo em um país já entortado pelo acirramento de ânimos. A gente já viu, não faz muito, o que essa mesma matriz de pensamento pode causar.
A diferença é que, felizmente, o governo ainda aponta, muitas vezes, em outra direção.