História divide seus personagens em protagonistas e coadjuvantes. A gaúcha Maria Thereza Goulart foi ambos. A viúva de João Goulart se mostra, como nunca antes, em uma biografia. Uma mulher vestida de silêncio, escrita pelo jornalista e paulista Wagner William e já em pré-venda nas livrarias virtuais, é uma obra de fôlego. São 643 páginas de memórias e de revelações.
Cada capítulo leva o nome de uma referência cultural. Uma música, um livro ou uma frase famosa. “João e Maria” é o primeiro. “Vai valer a pena ter amanhecido”, o último. A personagem principal influenciou no tom. Dona Maria Thereza me comentou, dias atrás, que o livro tinha ficado ainda maior e que era preciso cortar algumas partes. “Eu pedi para tirar tudo o que eu pudesse sobre política”. Já o autor insistiu para que a essência histórica fosse mantida, com todas as suas luzes e sombras. É nesse equilíbrio que reside um dos maiores méritos da biografia. A visão da esposa e da mãe sobre os efeitos da disputa pelo poder no microcosmo da sua família traz um novo olhar sobre um dos períodos mais turbulentos da História do Brasil. Tão turbulento, que seus solavancos se fazem sentir ainda hoje.
Da vida de menina em São Borja, passando pelo primeiro flerte com o já popular João Goulart, quando foi entregar a ele uma encomenda, e chegando ao desfecho trágico – Jango morreu em seus braços, no exílio -, Uma mulher vestida de silêncio revela, pela primeira vez, trechos do diário de Maria Thereza – a parte que sobrou deles. Também apresenta a descrição detalhada da tentativa de suicídio na Granja São Vicente, perto de São Borja, logo depois do casamento, e a surpreendente forma como ficou sabendo, em um hotel da Espanha, que tinha virado primeira-dama do Brasil.
O capítulo A Terceira Margem do Rio talvez seja o mais impactante. Nele, Wagner William descreve a luta de Maria Thereza, já no exílio, para atravessar o Rio Uruguai, entre Santo Thomé, na Argentina, e São Borja, onde sua mãe, Dona Giulia, seria enterrada. Com a cidade gaúcha tomada por forças militares e diante do aviso de que seria presa, restou à filha chorar durante três dias do outro lado do rio.
O próprio autor se emociona ao falar sobre essa passagem e sobre a simbologia do estar tão perto e ao mesmo, tão longe. É um pouco da relação do paulista Wiliam Wagner com o Rio Grande do Sul, onde esteve ainda jovem em uma fazenda e dela guardou as cores, os cheiros e os jeitos descritos nos capítulos iniciais. “Gosto de escolher personagens que são fundamentais mas que ainda estão na margem da História”, declarou. Wagner também escreveu a biografa do Marechal Henrique Lott.
No caso de Maria Thereza Goulart, são as pequenas observações quotidianas que trazem um sabor diferente ao livro. A revelação dos ciúmes de Jango de uma foto autografada de Chê Guevara que Maria Thereza mantinha na parede, a descrição do companheiro chegando em casa e fritando bifes e o ovos na chapa. “Certa vez preparou uma receita de camarão com chuchu”, conta o livro.
Muito antes das redes sociais, as fofocas já cercavam o poder. Maria Thereza discorre com absoluta transparência e coragem sobre as aventuras extraconjugais do marido. Uma vez, encontrou-o, no Rio de Janeiro, dando uma carona para uma vedete. As reação foi a mais humana possível. Maria Thereza se defende os boatos que a envolvem. Como seria possível uma primeira-dama, vigiada o tempo inteiro, fazer qualquer coisa escondida?, pergunta.
Finalmente, a mulher vestida de silêncio fala. Fala sobre ela, sobre a sua família, sobre o tempo, a saudade, a dor do exílio e a esperança. Fala, mais do que tudo, sobre um Brasil que o Brasil precisa entender.
Uma mulher vestida de silêncio será lançado no Rio de Janeiro, dia 16 de abril. No final do mesmo mês, a noite de autógrafos deve ocorrer em Porto Alegre.