Fernando Gabeira andou pelo Rio Grande do Sul nos últimos dias. Esteve em Serafina Corrêa para gravar uma reportagem sobre o talian, dialeto vêneto declarado patrimônio cultural do Brasil. Gabeira sofreu um acidente no meio do caminho. Um outro carro atravessou a pista e bateu no dele, alugado. Milagre ninguém ter morrido. Gabeira sequer se machucou.
Entre as idas e vindas a Serafina, Gabeira foi convidado pela Braskem para um almoço com militantes culturais e ambientalistas no Barra Shopping. Presente na condição de jornalista, me sentei ao lado dele. Deles, na verdade. Gabeira foi e é vários: escritor, político, guerrilheiro, militante da causa ambiental e jornalista, entre outros papéis. Vegetariano, saboreou lentamente uma salada e um substancial naco de palmito pupunha, ao qual não poupou elogios.
Eu tinha lido o artigo que ele escrevera naquele dia no Estadão e falamos rapidamente sobre o gargalo que o Judiciário impõe à democracia brasileira. A abundância de recursos e a lentidão dos julgamentos. Lula ainda não tinha se entregado, mas sua prisão já estava decretada.
O país olhava para o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo.
Até tentei, mas não resisti à oportunidade da piada quando Gabeira – de uns tempos para cá distante do PT – olhou pela quinta vez a tela do celular. “Há uns 10 anos você já teria recebido um telefonema”, falei. Ele sorriu e brincou: “Com certeza, ele não entende nada de cadeia”. Gabeira foi preso e exilado na época do regime militar.
Entre uma garfada de pupunha e outra, o convidado de honra nos instigou com uma tese inquietante: a geração dos quem hoje têm mais de 50 anos atravessou a adolescência sob o regime militar. “O establishment era de direita, então a contestação e a rebeldia eram de esquerda.” Ele prosseguiu: “Essa geração que completa agora 18 anos cresceu em um tempo em que o establishment era de esquerda, nos anos de governo do PT. Hoje, ser rebelde é ser de direita”.
O Fórum da Liberdade, realizado durante a semana em Porto Alegre, estava cheio de gente jovem. No almoço de abertura, traje bem cortado e gravata, Júlio Cesar Lamb, presidente do IEE, entidade que organiza o evento, encerrou o seu discurso com uma frase de impacto: “Sejamos nós a voz da mudança”. Foi aplaudido com entusiasmo pela plateia que lotava o salão do Hotel Sheraton.
Tive uma leve sensação de déjà vu.