É assustador. Mesmo.
Uma cadeia abandonada transformada no maior espetáculo de horror dos Estados Unidos. Um desfile de zumbis, assombrações, mutilações, sustos e taquicardias. Na entrada, o aviso: quem vestir o colar fosforescente poderá ser tocado. “Tocado” significa, algumas vezes, ser levado pelos monstros. Puxado e desafiado a enfrentar pavores extras. Jamais. Passei longe.
Crianças têm medo. Adultos também. A diferença é que os mais velhos aprendem, às vezes, a lidar com ele. A Ana, minha filha de 11 anos, também não quis o colar. Talvez influenciada pelo pai.
A Camila, 15, botou o treco no pescoço e se foi. Sumiu e voltou depois, dando risadas. A Ana ficou grudada em mim o tempo todo.
Numa das galerias da cadeia, os atores encenavam uma “enfermaria dos horrores”. Mutilações, serras elétricas, médicos sado-zumbis, muito sangue fake e gritaria de verdade. Numa outra ala, os óculos 3D induziam a um mergulho psicodélico em um mundo de palhaços sinistros, insetos gigantes e monstros disformes.
Mas o que eu quero contar é outra coisa. Gostamos tanto da primeira visita, que fomos de novo. Um dia antes, a Ana já balançava. Irmãs mais velhas facilitam, abrem o caminho. Mas agora ela tinha que decidir: botar ou não botar o colar? Tentei ficar imparcial. Lá pelas tentas vi que ela, no fundo, queria. “Coloca e, se ficar ruim, tira”, aconselhei.
Nos primeiros metros, a Ana andava devagarinho, com medo do susto. Foi se soltando. Sempre evitando os cantos, onde os zumbis escolhiam suas presas para brincadeiras seguras, mas assustadoras.
No finzinho, na reta final, a Ana sumiu. É tudo meio escuro, então a gente não vê direito. Só vi um braço e zumpt. Foi-se a Ana.
Fiquei apreensivo. Mais que isso: assustado. Na saída, parei na porta para esperar. Uma policial com olhos brancos, babando e cheia de cortes no rosto gritou comigo, com aquela voz rouca do outro mundo: “Você não pode ficar aqui. Vai pra lá!!!!”.
E nada da Ana. A Ana que cinco dias atrás tremia de medo.
Passaram-se 10 minutos que pareceram 10 horas. Vejo a Ana, calmamente, no meio da galera. Fingi absoluta naturalidade.
“E aí, amada, como foi?”
“Um zumbi me agarrou e me levou para um labirinto. Tinha uma mulher chorando na minha frente. Quando saí, um palhaço-cadáver quis me levar outra vez. Olhei pra ele e disse: de novo?? Aí ele me deixou ir embora.”
E foi assim que a Ana encarou o medo. E venceu. Elogiei a coragem dela e me dei conta de que acabara de ver, ali, numa cadeia abandonada da Filadélfia, minha filha crescer. Ela nem notou meus olhos marejados.
Fiquei com vontade de agradecer ao palhaço-cadáver pela sensibilidade, por ter assumido com tanto talento o papel de medo. Mas, para voltar lá, eu teria que colocar o colar fosforescente que autoriza a me tocarem. Seria uma irresponsabilidade da minha parte. Vai que me pegam e me levam para um labirinto escuro.
Alguém precisa estar disponível, caso as crianças precisem.