Ouça a coluna na voz de Tulio Milman:
No futuro, os historiadores olharão para trás e dividirão a História em duas eras. Quando tudo passou a ser mídia e quando tudo ainda não era. A certeza é do professor Alexander Galloway, da Universidade de Nova York. Pirei com a ideia.
Hoje e cada vez mais, tudo é gravado, compartilhado, postado. Caminhamos nessa direção como se fosse inevitável. Tem seu lado bom. O da transparência, da proximidade, do acesso. Mas tem um lado sombrio, que pede luz.
O professor Ivan Izquierdo ensina: nossa memória tem várias funções e níveis. Um deles é o do esquecimento. Precisamos esquecer. Para abrir lugar. Porque a maior parte das informações que recebemos não merece estar lá, junto com o primeiro beijo e com o gol do campeonato.
Cada vez mais, conseguimos esquecer menos. O desabafo na briga, a piada sem graça, o comentário infeliz, o aperto de mão casual com o político ou com o empresário que, anos depois, vai para a cadeia. Tudo gravado, para sempre.
Na nuvem, indestrutível. Nem amarelado fica, como fica o papel a provar sua idade.
Em 2012, nas Olimpíadas de Londres, visitei a casa de George Orwell, autor de 1984, livro que fala de um tempo sem privacidade e de onipresença do Estado, o Grande Irmão (Big Brother). Na obra original, não era o Pedro Bial. Contei dezenas de câmeras de vigilância nas imediações. Considerei uma ironia. Hoje, entendo como um aviso.
Acredito no refluxo. Já está acontecendo. Pessoas buscando privacidade, redes menores e espaços de esquecimento, nos quais uma piada não vire prova irrefutável no Tribunal das Quintas-feiras, com julgamentos online, cruéis e sem direito à defesa.
A onda do compartilhamento total e da supressão do direito a esquecer nos conduzirá ao próximo ponto de mutação. Continuaremos conectados. Mas teremos opções fora da manada Facebook.
Enquanto isso, na dúvida, não sorria, não chore, não diga. Você está sendo filmado. E condenado a lembrar. Façamos, todos, cara de paisagem. Finalmente, somos inesquecíveis.
E tudo o que mostrarmos poderá ser usado, sem contexto, contra nós.