Uma universidade sem campus, mas com cidades: São Francisco, Berlim, Istambul, Buenos Aires, Bangalore, Londres e Seul. Os professores podem dar aula de qualquer lugar do planeta, desde que sejam os melhores. Os alunos rodam pelo mundo com seus laptops e pagam, pela formação, metade do que pagariam para uma universidade tradicional americana. Ser aceito na Minerva é mais difícil do que em Harvard. Conversei com seu criador, Ben Nelson, 42 anos, morador da Califórnia. Seu projeto vem despertando polêmicas e atraindo investimentos – mais de US$ 70 milhões de empresas americanas e chinesas.
Conheça, a seguir, as ideias do homem que se propõe a reinventar a educação universitária.
Qual o maior desafio da educação hoje?
Sempre foi e hoje é, mais do que nunca, desenvolver a capacidade de transferir e de aplicar conhecimentos e habilidades em áreas múltiplas. Se pensarmos no século 19, o líder de uma nação poderia ir à guerra e, numa batalha, perder cinco mil homens. Um desastre total. Esse líder, obviamente, precisaria rever sua estratégia. Para isso, muitas vezes, tinha meses para pensar até a próxima batalha. Hoje, as decisões são rápidas e multifatoriais.
Nesse contexto, o que é a Minerva?
Há dois aspectos no que fazemos. O primeiro é que temos programas universitários de graduação. A Minerva foi desenhada para ser a mais avançada e mais eficiente universidade do mundo. É o que uma universidade de elite dos Estados Unidos seria, se começasse hoje. Se você perguntar ao presidente de uma universidade americana tradicional o que a universidade dele ensina, ele não dirá que ensina física, literatura e História. Dirá que ensina a pensar criticamente, a resolver problemas, a ser global, a se comunicar de forma eficiente, coisas assim. Mas se você perguntar como isso é ensinado, ele responderá: "bem, nós ensinamos física, literatura e História". Alguns anos atrás, uma organização não governamental criou uma ferramenta para medir como as universidades ensinam o que elas dizem que ensinam. O teste é aplicado no começo do primeiro ano e no fim do quarto ano. Os resultados mostraram que 50% dos estudantes dos Estados Unidos não evoluíram nesse período. Zero. Saíram do mesmo jeito que entraram.
Vocês subverteram o exame, certo?
Decidimos fazer o mesmo teste com os nossos alunos quando eles entraram e, em vez de esperar quatro anos, repetimos oito meses depois. Tivemos a maior pontuação do país. Depois de oito meses, nossos alunos tiveram melhores desempenhos em pensamento crítico, solução de problemas e comunicação escrita do que qualquer turma de formandos dos Estados Unidos.
Qual é a mágica?
É a coisa mais simples do mundo. Nós ensinamos de verdade. A universidade tradicional não ensina e, quando ensina, ensina conteúdo. É como querer ensinar alguém a ser um dançarino e ter uma grande ideia: "Deixe eu te ensinar a cozinhar. Se eu te ensinar a cozinhar, tenho certeza de que você será um grande dançarino". É absurdo.
Você estudou em Wharton, uma das faculdades mais tradicionais dos EUA. De alguma forma, você é um produto desse sistema que critica. Não foi essa educação tradicional que lhe deu as ferramentas para a disrupção?
No meu primeiro ano, fiz um curso sobre a história das universidades. Aprendi o que os fundadores desse sistema aqui nos EUA queriam. Era justamente ensinar pensamento crítico e solução de problemas, habilidades práticas que podem ser transportadas de uma área do conhecimento e aplicadas em outra. Em uma democracia representativa como a dos Estados Unidos, isso é realmente importante. Ninguém vai para a universidade para aprender a ser presidente ou senador. Ninguém vai para a faculdade para se formar presidente de uma empresa. Pessoas alcançam essas posições porque têm capacidade elevada de mobilidade social. Você pode começar como um dentista ou um contador e ir para outras funções na sociedade. Se as pessoas não tiverem habilidades amplas e aplicáveis, uma sociedade aberta não funciona. Quando aprendi isso, no meu primeiro ano de universidade, eu disse: "Espera um pouco, nós não fazemos nada disso aqui". Na verdade, nós apenas ensinamos conteúdo, o oposto do que as universidades deveriam fazer. Antes que ficasse embretado no sistema, me dei conta de ele deveria mudar. Foi aí que escrevi um trabalho sobre como deveríamos fazer isso.
Veja só, Wharton fez Ben Nelson e fez Donald Trump, seu colega...
Estudamos em épocas diferentes (risos).
Até que ponto a chave do sucesso de uma universidade de elite é a educação que oferece ou simplesmente a seleção dos alunos certos?
Esse é exatamente o problema. É o exemplo perfeito. Você falou em mim e em Donald Trump, pessoas diametralmente opostas. Somos ambos produtos da mesma universidade. O que isso diz? Diz que a universidade, por si só, somou quase nada. Numa universidade tradicional, o que importa é a seleção dos alunos. Porque aquilo que entra é aquilo que sai. Aqui nos EUA e em muitos países, a maioria das pessoas pensa que o nome da universidade em que estuda é o mais importante. As universidades de elite selecionam os melhores alunos, têm os filtros corretos. O que nós estamos demonstrando é que, com educação de qualidade, nós podemos fazer esses melhores alunos evoluírem rapidamente.
Como a Minerva seleciona seus estudantes?
Existe uma fórmula com três fatores principais e muitos outros secundários. Os três principais parecem absolutamente comuns. Olhamos o desempenho no Ensino Médio, fazemos uma entrevista oral e escrita e olhamos o que você é fora do ambiente escolar, no que você está engajado. Nós não temos, na Minerva, um conceito de número de vagas. Nós estabelecemos um padrão, definido por uma fórmula gigante, como mais de cem variáveis. No fim da seleção, você recebe um escore e, se esse escore estiver no padrão, você está dentro. No último ano, tivemos 20,4 mil inscrições e oferecemos vagas para 1,9% dos candidatos, cerca de 380.
Vocês cobram metade do valor das universidades americanas. Pelas leis do mercado, se há muita gente querendo e a oferta é limitada, o preço sobe. Como você vai resistir à tentação de ficar bilionário mais rápido?
Essa pergunta nos leva à segunda parte do que é a Minerva. Primeiro começamos essa universidade, uma instituição tipicamente sem fins lucrativos. Esse é um jeito de resistir à tentação de subir os preços. O lucro não importa (risos). Mas a corporação Minerva, que montou o currículo e o sistema pedagógico, é incentivada a ganhar dinheiro. Fará isso licenciando a plataforma que criou para outras universidades. O primeiro passo foi criar nossa própria universidade e mostrar que ela é a melhor do mundo. Agora, estamos começando o processo de habilitar outras universidades a usarem o nosso sistema. Nós não fechamos parcerias ainda, mas temos cerca de 200 instituições interessadas, inclusive algumas do Brasil.
Você escolheu Buenos Aires para uma das sete sedes da universidade. Por que a segunda economia do continente e não a primeira (risos)?
(Risos) Nós temos mais alunos brasileiros do que argentinos. Temos 450 estudantes no total e, entre eles, 20 brasileiros. É um dos países que mais mandam alunos para a Minerva. Por que Buenos Aires? É muito simples. Quando estávamos decidindo, o real estava muito valorizado. O Brasil estava muito, muito, muito mais caro do que a Argentina. Em segundo lugar, São Paulo é muito espalhada, muito descentralizada. Numa cidade Minerva típica, deve-se caminhar ou usar transporte público com facilidade. E o Rio seria uma cidade perfeita, mas ficamos com medo da violência e do crime. Por isso escolhemos Buenos Aires.
O modelo da Minerva, com sete cidades e rotação de alunos entre elas, resistirá ao questionamento pelo qual a globalização está passando?
Eu sou um defensor convicto da globalização. Se você olhar para a História de uma forma ampla, verá que o que ocorre agora é uma pequena bolha. Se as pessoas pararem de comprar celulares com internet, aí vou começar a desconfiar da globalização. Se as pessoas pararem de ir a hipermercados e de comprar carros feitos em outros países, aí poderemos desconfiar da globalização. O mundo não pode andar para trás. Olhe o que aconteceu na Índia, no Brasil e na China nos últimos 30 anos. Centenas de milhões de pessoas retiradas da pobreza. Graças à globalização. É uma vitória humanitária.
Nessas sete cidades, a Minerva não tem campi com ginásios, refeitórios, cafés e teatros. Como isso impacta na experiência mais ampla dos alunos?
Nós somos uma universidade urbana. Não temos um campus, porque não faz sentido. Os estudantes vivem juntos e aproveitam o fato de estarem, por exemplo, em São Francisco e outras seis cidades do mundo. Em vez dos nossos alunos irem a jogos de futebol americano da universidade e festas das fraternidades, eles vivem o que essas sete grandes cidades oferecem. Isso faz parte da nossa filosofia.