Bem-vindos ao fantástico mundo do professor Alexander Galloway. Aos 43 anos, ele é doutor em Literatura pela Duke University, autor de seis livros, programador e professor de Mídia e Cultura na Universidade de Nova York. Foi lá, em um prédio da Greene Street, que conversei com ele durante uma hora.
Analógico e digital, a próxima grande revolução da ciência, Google e o futuro da comunicação foram alguns dos assuntos. Galloway é um entrevistado denso, quase hermético muitas vezes. Mas extremamente instigante. A seguir, os principais trechos:
É possível definir analógico e digital de um jeito simples?
É fácil. Digital são as impressões digitais dos dedos: separadas, únicas, com limites e bordas definidos entre as unidades. As letras do alfabeto são digitais. Já o analógico se refere à processos contínuos, com transições suaves, onde não há separações definidas. É claro, na imaginação popular digital significa novo e online, enquanto analógico significa velho, off-line. Muitas vezes também significa autêntico. Há um aspecto romântico e nostálgico ligado ao analógico. Não acho que esteja errado, mas meu interesse é demonstrar como o analógico e o digital funcionam juntos.
Parece que o mundo está migrando do analógico para o digital. A mudança tecnológica está mudando o mundo ou o mundo mudou e por isso aconteceu a revolução tecnológica?
A história de que o passado é analógico e o futuro digital nem sempre funciona. Vamos olhar para a ciência. Há grandes debates sobre as hipóteses de o mundo ser baseado em fenômenos contínuos, como as ondas, ou em fenômenos desconectados, como as partículas. Eu não sou um cientista, mas há um consenso de que se você olhar para a luz por um ângulo, você identifica ondas. Se olhar por outro, partículas. Por um ângulo é digital, por outro é analógico. Na física quântica esses fenômenos são muito presentes. É a ideia de superposição. A natureza das coisas permanece indefinida até que seja medida. Analógico e digital são lentes que a gente coloca para ver o mundo, não categorias históricas absolutas.
A gente escolhe qual dessas lentes vai usar?
Essa é uma boa pergunta. Eu não sei. Talvez não seja nossa escolha. Me fascina a ideia de que no exato momento em que você pensa que identificou algo puramente digital, você encontra também qualidades analógicas. E o aposto é verdadeiro. Elas sempre estão ali, às vezes interagindo de forma invisível.
Como isso impacta na forma como as pessoas se comunicam?
O maior impacto é na forma como o comportamento humano é codificado e transformado em algo racionalizado. Se você faz alguma coisa online, as empresas de internet fragmentam e analisam seu comportamento de maneiras muito específicas. Vivemos em mundo extremamente abstrato, racionalizado e formalizado.
Hoje a comunicação é cada vez mais mediada por interfaces, por plataformas. Em que direção vai esse fenômeno?
Não vejo que isso irá terminar. Acontece em vários níveis. Quando as pessoas falam sobre interfaces, elas pensam, por exemplo, em máquinas de autoatendimento ou nos seus celulares. Se você começar a cavar um pouco, vai se dar conta de que há interfaces em todos os níveis de profundidade. Há pedaços de código interagindo com outros pedaços de código. Computadores interagindo com outros computadores.
Esse fenômeno pode levar ao surgimento de uma outra espécie, onde a singularidade não permita separar o homem das suas invenções?
Desde os seus primórdios, o ser humano sempre esteve intimamente conectado à tecnologia. Usamos roupas, lentes de contato. Nunca houve uma separação clara entre humanos e tecnologia.
Onde isso tudo vai terminar? A aceleração do processo nos levará a um ponto de mutação?
Poderia, mas acho que existe um erro fundamental que muitos especialistas em tecnologia cometem. Eles supõem que a vida pode ser 100% digital. Não acho que seja verdade. Há muita gente que cultiva o fetiche da singularidade digital. Eles acham que se você tiver uma escala grande o suficiente, o digital poderá fornecer o que o analógico fornece. O slogan usado frequentemente é que, se você tiver uma escala grande o suficiente, quantidade vira qualidade. O Google é um grande exemplo. Se o Google pudesse ver apenas cinco sites e cinco e-mails, jamais poderia produzir algo de valor. Ironicamente, acho que, no mundo acadêmico e no mundo intelectual, estamos entrando em uma fase analógica agora. Particularmente nas áreas humanas.
Baseado em quê?
Ouve uma fase intensamente digital nas universidades nos anos 60, 70, 80. Agora, estamos em uma fase antirracional. Mais focada no pragmático, no empírico, na sensação. Talvez seja uma reação inconsciente ao computador.
Como as pessoas vão se comunicar no futuro?
Acho que do mesmo jeito de que sempre se comunicaram. Pessoas sempre usaram formas altamente simbólicas, abstratas e formais de comunicação. Continuarão usando, mas também seguirão se beijando, fazendo amor, se tocando em interações diretas, como sempre existiu. E também terão tecnologias fantásticas. Desde a Grécia antiga já lutava com a questão fundamental "intimidade X mediação e tecnologia". Nós estamos lidando com o mesmo tipo de dinâmica.
Você tem medo dos algoritmos?
Sim. Tenho. A grande ironia é que as pessoas falam sobre a polícia secreta alemã. Mas, na verdade, as atuais redes digitais fazem aquele sistema parecer patético quando se fala em vigilância. Vivemos hoje em um mundo em que as pessoas participam, muitas vezes sem saber, mas na maioria voluntariamente, de um sistema de vigilância super sofisticado.
Por um lado, Google e Facebook fazem isso que você acabou de comentar. Além disso, oferecem ferramentas que, por exemplo, ajudam grupos racistas. Sem jamais se responsabilizaram por nenhum conteúdo que publicam. A mídia tradicional se comporta de forma diferente, mas mesmo sem está sob ataque, por exemplo, aqui os Estados Unidos. Gostaria de lhe ouvir sobre isso.
Eu sou um observador, como todo mundo. Acho que muito vem dos anos 60 e 70 e do ataque aos especialistas e às autoridades. Do instinto antiautoritário dessa época. Por causa disso, vivemos em um universo onde existe uma espécie de desconfiança generalizada da expertise e da autoridade. É confuso, porque ao mesmo tempo o poder não deixou de existir. Ele apenas foi para outras mãos. Talvez o poder esteja hoje na infraestrutura. Amazon, Google. São empresas baseadas em infraestrutura. O serviço de computadores da Amazon, que é baseado na nuvem, é sólido, muito grande. Talvez no passado o poder residisse mais nas pessoas. Existem pessoas poderosas como Trump e Putin. Talvez seja uma força contrária, ou o mundo retornando para um modelo antigo, centralizado.
Qual modelo vencerá?
Há vinte anos todo mundo dizia que a disrupção era necessária na mídia. Que nós precisávamos nos livrar dos '"guardas dos portões". Hoje todos que reclamam que Trump exagera nas suas fantasias no Twitter. Então todo mundo pede, por favor, "ponham guardas nos portões". Precisamos de editores, de filtros. Precisamos estudar e compreender melhor porque há 20 anos queríamos nos livrar da autoridade e hoje estamos buscando-a novamente.
Onde está o futuro?
A Internet 2.0 mudou radicalmente o jeito com que as pessoas acessam a informação. Se você quiser saber onde está o futuro, olhe para o presente e encontre os lugares onde existe uma atividade genuína, que desperte interesse e que seja comunitária. Que ainda não tenha sido privatizada. Aí você conhecerá o futuro. É só uma questão de tempo até que as empresas encontrem esses fenômenos autênticos e comunitários. Se voltarmos 20 anos na análise das mídias, veremos que, naquela época, os temas eram códigos abertos, softwares livres e gratuitos. Daí em diante, é a história da transferência dessa infraestrutura aberta e comunitária para o mundo privado. Há 20 anos, todos mandavam e-mails. Hoje, mandamos mensagens diretas no Twitter, que é um sistema comercial.Use a mesma lógica hoje a encontre onde estão acontecendo esses fenômenos abertos, comunitários, gratuitos e com engajamento espontâneo. É isso que o capitalismo procura. Encontre o lugar que ainda não foi colonizado. Os negócios dão certo quando conseguem identificar algo que eles podem ter de graça. Pode ser o ar ou informações que as pessoas fornecem quando interagem online.
Media social é uma onda que vai passar no futuro?
Não. Não passará. A diferença é que esse tipo de interação, no passado, se dava em nichos menores. Num bar, na família. Agora há uma infraestrutura tecnológica que faz a mediação. Noto que as pessoas estão começando a pular fora desses sistemas gigantescos. Estão mais interessadas em sistemas menores. O Vale do Silício é esperto e sabe disso. O Snapchat é um marco desse processo, em como as interações supostamente não ficam arquivadas. É uma vantagem não ter que responder para sempre por algo postado. Se tudo é constantemente arquivado, isso muda radicalmente a experiência humana. Não é assim que as pessoas funcionam, isso não é natural. O natural é esquecer o que deve ser esquecido. No futuro, as pessoas vão olhar para trás e dividir a História na era em que tudo era mídia e numa era anterior, em que nem tudo era mídia. Em que havia partes da vida em que não eram mediadas pela tecnologia. Ao que tudo indica, no futuro não teremos opção. Ao menos que você tente com muito, muito empenho.
É fim da intimidade?
Hoje, as pessoas estão cada vez mais interessadas não mais em conexão ou numa transparência aberta e total, mas em ofuscar, em criptografia, em esconder, em escuridão.
A internet profunda é a nova internet?
Pode ser. Redes alternativas, obscuras, secretas. Vai acontecer cada vez mais no futuro. O mundo online hoje está massificado. Muito, muito, muito. Quantos usuários o Facebook tem? É insano. As pessoas estão procurando tecnologias que não são tão padronizadas e massificadas. Experiências mais originais, específicas, exclusivas.
Qual é a próxima revolução da internet? Vem aí a Internet 3.0?
Não haverá Internet 3.0. Revoluções sempre acontecem em dois estágios. O primeiro tenta aplicar os modelos antigos a uma nova tecnologia. O primeiro aplicativo de compartilhamento de música, por exemplo, o Napster, era centralizado. Aí vem o segundo estágio, onde a nova tecnologia assume a sua própria essência e não é forçada a usar modelos antigos. O Google, em vez de rastrear livros e contar palavras, decidiu prestar atenção no formato das redes, nos links. O Google coleta valores numa infraestrutura onde esses valores são criados por outras pessoas.
Alguma pista sobre a nova revolução? Essa é a resposta de um bilhão de dólares...
Eu não sei. Haverá uma nova revolução, mas será totalmente diferente da que começou nos anos 90 e se estendeu até agora. Estamos entrando numa planície. A fase mais dramática já passou. Revoluções tecnológicas de grande escala não acontecem todos os dias. Inovações industrias e processos sim, acontecem a toda hora. Carros elétricos, novas energias. Mas a nova grande revolução virá de algum outro lugar. Talvez da biologia, da neurociência, da genética ou medicina.