Eram 16h02min quando o professor Konrad Kording chegou apressado, pedindo desculpas pelo atraso. Havíamos marcado a entrevista para as 16h.
Eu esperava havia dez minutos do lado de fora da sala 106 do Hayden Hall da Universidade da Pensilvânia, na Filadélfia. Um prédio antigo e charmoso, com portas trancadas e porteiro eletrônico, algo não muito comum por aqui.
Tentei explicar que, no Brasil, chegar 15 minutos atrasado é normal. Meia hora, aceitável. Foi demais para a cabeça dele. Recebi de volta uma expressão de simpática estranheza, daquelas que a gente faz quando não sabe se o interlocutor está brincando ou falando sério.
Kording é alemão. Pós-doutor com passagens pelo MIT, pela University College London e pelo Instituto Federal de Tecnologia de Zurique. O currículo engana quem espera encontrar um geniozinho de paletó e cabelo lambido.
Geniozinho, sim. Mas a aparência é de um garotão.
Ele foi logo avisando, educadamente: "Hoje é o dia da imprensa. Às cinco horas chega o The New York Times". Kording é bem mais objetivo do que eu imaginava. Prefere as questões práticas às filosóficas.A resposta à minha segunda pergunta comprova.
Conversamos por 50 minutos. Uma conversa densa, que me exigiu concentração total. Foi quando, juro, vi o dinossauro pendurado na parede piscar o olho esquerdo pra mim. Foi aí que me dei conta. Hora de ir embora.
O que é a neurociência?
Basicamente, é o estudo do funcionamento do cérebro humano. É muito sobre o "como" e não sobre o "quê”. Nosso cérebro produz, em 30 segundos, mais informações do que o telescópio Hubble em todo o seu tempo de vida. É essa produção que nos faz pensar. As informações são tantas que um ser humano não consegue compreender. Precisamos dos computadores para nos ajudar.
Aonde o senhor quer chegar com suas pesquisas? Qual o seu sonho dourado?
Compreender para corrigir doenças como o Parkinson, por exemplo. Quero compreender de um jeito que eu possa explicar para todo mundo. Sabemos quase nada sobre o cérebro. Hoje, quase tudo que pensamos compreender está errado. Há muito, muito mais para descobrir.
Qual o principal erro?
Usamos técnicas de análises de sistemas simples para análises de sistemas muito complexos.
Diante da complexidades, os computadores serão melhores do que os cérebros?
Em muitas áreas, já são. E serão mais. Teremos carros sem motoristas e os melhores filmes e poemas serão criados por programas de computador. Serão personalizados, feitos de acordo com as preferências de cada um. Deixaremos de fazer muitas coisas que fazemos hoje porque as máquinas farão melhor.
O cérebro humano ficará obsoleto?
De certa forma, sim. A neurociência produzirá muitas questões éticas e filosóficas. Teremos que lidar com elas. Eu não tenho muitas respostas. Tenho muitas perguntas. Mas sei que os computadores fazem o que mandamos eles fazer.
E se nós mandarmos eles decidirem por nós?
Eles usam o que nós criamos. Os humanos hackeiam uns aos outros o tempo todo. Imitam e melhoram. O computador faz o mesmo, mas melhor.
Há uma dimensão moral na tomada de decisões, relacionada não apenas à cultura e à experiência individual de vida, mas também aos nossos genes, de acordo com muitos estudiosos. Se isso é verdade, há limitações para as decisões de computadores em áreas mais subjetivas?
Os computadores não têm como saber, de forma alguma, o que eles devem otimizar. Em outras palavras, eles não têm capacidade de resolver problemas normativos de uma forma significativa. É melhor que todos estejam bem financeiramente ou que algumas pessoas sejam muito ricas? É melhor viver bem na "matrix" ou batalhar do lado de fora?
Computadores não podem resolver esse tipo de questão. Eles só podem diferenciar um objetivo do outro. O nosso genoma contém aquilo que otimizamos. Curiosidade, inveja e busca pela felicidade são alguns exemplos. Não tem como um computador adquirir essas características a não ser que a gente programe. Então, em última análise, os computadores, diferentemente de nós, têm dificuldade de resolver problemas que exijam padrões de avaliação subjetivos.
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E nós, humanos, faremos o que enquanto os computadores escrevem poesias e dirigem nossos carros?
Tenho certeza de que encontraremos alguma coisa com que nos ocupar. Isso não é novo. No passado, por exemplo, garrafas eram feitas por humanos. Eles sopravam o vidro, moldavam. Hoje, as máquinas fazem isso sem qualquer intervenção nossa. É o mesmo processo, numa dimensão diferente. Quem sabe moveremos nossas consciências para espaços simulados, ou estaremos em algum outro lugar do espaço.
Quanto falta para termos cérebros artificiais?
Já temos. O Google é um exemplo. É só o começo.
O senhor vê o futuro com otimismo?
Sim. Há muitas formas de pegar o destino em nossas mãos. Podemos ser melhores. Há perigos, mas podemos melhorar. Coisas ruins vão acontecer, mas teremos ferramentas para nos defender.
Qual foi a sua maior descoberta, aquele momento em que ficou sem ar?
Sinto isso quase todos os dias. Mas meu momento de perder o fôlego foi quando me dei conta de que o cérebro, no nível não consciente, é muito bom em estatística. O movimento humano é a prova. Quando você estica a mão para pegar um objeto, está fazendo contas sofisticadas numa velocidade gigante, usando probabilidades e, quase sempre, acertando. Isso é muito bonito.
Há quem diga que a beleza é divina. Existe necessariamente uma oposição entre ciência e religião?
De jeito nenhum. Eu sou religioso. Para mim, a religião é o antídoto do ceticismo. Conceitualmente, é impossível provar que Deus existe, mas também é impossível provar que não existe. Se houvesse uma prova, não haveria mais crença. Seria um fato científico.
Vejo a religião como uma grande cadeia formada por pequenos elementos. Torna nossas fraquezas menos doloridas e nossas conquistas maiores, porque são para o coletivo. Dá para encontrar isso em outros lugares, mas eu encontrei na religião.