Os barcos abarrotados de haitianos famintos e desidratados já não chegam com tanta frequência aos Estados Unidos. Missão cumprida.
Setembro de 1994. Enviado especial de Zero Hora, eu estava no aeroporto da Capital quando o primeiro avião militar americano pousou. Uma invasão sem resistência. Mais uma. A primeira havia acontecido em 1915.
A cena marcante: os soldados, olhos esbugalhados, passando com armas pesadas e engatilhadas sobre os ombros. Ao meu lado, uma repórter americana caçando uma fonte para sua reportagem: "Alguém de Nova York? Alguém de Nova York?", berrava, em inglês, enquanto o aeroporto vazio era tomado.
Andando pelas ruas devastadas de Porto Príncipe, olhando as crianças e os velhos e os porcos na lama, pensei: impossível piorar.
Piorou.
Em 2010, um terremoto matou 315 mil pessoas e destruiu o pouco que ainda estava em pé. Desembarquei novamente no Haiti alguns meses depois da catástrofe, dessa vez convidado pelo Exército brasileiro, que estava lá em missão de paz.
Leia mais
"Quase tudo que sabemos sobre o cérebro humano está errado", ressalta neurocientista alemão
As novas regras do Movimento Tradicionalista Gaúcho para música
Nesta quinta-feira, a presença brasileira chega oficialmente ao fim, depois de 13 anos. Uma cerimônia marcará o encerramento desse ciclo. Centenas de soldados e oficiais gaúchos passaram pelo país mais pobre das Américas - PIB per capita 11,6 vezes menor do que o brasileiro.
Do ponto de vista militar, a missão foi uma experiência positiva, seja pelo treinamento ou pela projeção do Brasil como um ator relevante no cenário regional. Por outro lado, o deslocamento de uma força militar estrangeira para um país soberano sempre gera questionamentos éticos. O Brasil não está livre deles. Ouvi isso lá, de intelectuais e políticos haitianos. É estranho ser o que tanto criticamos nos outros.
Se a missão de paz tinha como objetivo levar um pouco de estabilidade ao Haiti, ela foi cumprida. O fluxo de refugiados, especialmente para os Estados Unidos, foi reduzido. A violência interna foi contida. Não eliminada, mas reprimida. Mas do ponto de vista humano e institucional, ainda falta muito.
A miséria, a corrupção e a violência cultivaram raízes profundas na parte ocidental da ilha caribenha Hispaniola – o outra parte é da República Dominicana.
A missão de paz que tinha o Brasil como um dos agentes principais foi o analgésico para uma crise profunda. A cura ainda está distante.