Entre meus conhecidos, noto um fenômeno curioso. As pessoas de direita costumam identificar uma presença comunista no poder, na mídia e em todos os outros setores da esfera pública. Já as de esquerda têm uma percepção oposta: constatam uma dominação capitalista em tudo que é lugar. Claro, cada um lê o mundo conforme sua lente – alguns mais, outros menos. Não há forma neutra de observar esses fenômenos, pois a visão de mundo é informada por nossos valores. O que podemos é exercitar a objetividade: quanto mais ponderação, melhor. É a receita para o diálogo.
Muito já se falou sobre a morte da oposição entre direita e esquerda. Quem não lembra da tal terceira via? Por mais que tudo isso nos pareça extremamente antigo (e chato), a distinção entre os dois polos insiste em ficar e se renovar. Basta observar a realidade ao redor. Há muitos matizes de direita e esquerda, mas podemos mais ou menos identificar a estrutura geral.
Vivemos um bom momento para observar que a própria história recente é uma alternância entre momentos de inflexão para um lado e para outro.
À crise econômica mundial de 2007/2008, seguiram-se reformas no sistema financeiro que poderiam ser classificadas como de esquerda, a exemplo de maior regulação no setor. Nos anos seguintes, o francês Thomas Piketty virou best-seller improvável com um compêndio sobre desigualdade que fazia referência, no título, a uma obra de Marx (mas, no conteúdo, distanciava-se do pensador alemão): O Capital no Século XXI. Era 2013, 2014. No Brasil, as promessas da era Lula pareciam começar a se dissolver nos tempos de Dilma.
Eis que, poucos anos depois, o mundo passa a testemunhar uma nova ascensão da direita, mas não qualquer direita: extremista, intolerante, protecionista, antiglobalização. É ela: a reação. Desta vez, assustando até mesmo a direita tradicional, liberal, democrática. Depois da eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, o medo é de que as próximas peças do dominó a serem derrubadas sejam na Europa. Ou – horror dos horrores – no Brasil.
Senão, vejamos. Algumas das soluções encontradas pelo governo para enfrentar grandes problemas têm sido não apenas insuficientes, como preocupantes. Os policiais paralisaram atividades por melhores salários e condições de trabalho? Reprima o direito à greve. Um hacker vazou informações da primeira-dama que podem comprometer politicamente o presidente? Impeça os jornais de publicá-la. Aguardamos ansiosamente a próxima reviravolta na geopolítica.
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ALTOS E BAIXOS
EM ALTA
Crise – Cerca de 24,3 mil famílias gaúchas voltaram a receber benefício do Bolsa Família em 2016. Em 2014, haviam sido 4,3 mil. Recessão e desemprego no país estão entre os motivos.
Populismo – Com um discurso anti-imigração, Geert Wilders está confiante para as eleições na Holanda em março. Será um termômetro para os pleitos na França e na Alemanha.
EM BAIXA
Donald Trump – O presidente americano enfrentou sua primeira crise com o afastamento do conselheiro de Segurança Nacional, Michael Flynn, devido a um escândalo com a Rússia.
Tolerância – Irmão do ditador norte-coreano por parte de pai, Kim Jong-nam foi assassinado na Malásia em circunstância misteriosa. Ele era considerado um defensor de reformas.
DUAS PERGUNTAS
Ian Bremmer, cientista político americano, presidente da consultoria Eurasia Group
1. Qual o tamanho da ameaça do populismo no mundo e quanto tempo vai durar?
O populismo estará conosco no futuro próximo. No momento, não há resposta plausível em matéria de política pública na agenda de nenhum grande governo para tratar verdadeiramente das questões, e os estimuladores da desigualdade (globalização, política de identidade, automação, tecnologia/conectividade) estão apenas se tornando mais fortes. Enquanto esse for o caso, o populismo continuará a se expandir. Mas o populismo ainda não é realmente global. No momento, está principalmente reservado aos EUA e à Europa (com a notável exceção da Alemanha) e a alguns dos mercados emergentes (entre eles, o Brasil). É provável que se expanda com o tempo, injetando mais volatilidade no mundo.
2. Como o senhor vê a relevância do Brasil no mundo em 2017? Qual será o papel do país na geopolítica internacional?
Sinceramente, acho que a relevância do Brasil para o mundo em 2017 será pequena – e isso é uma coisa boa. Dependendo da vizinhança, alguns países poderão se manter afastados da recessão geopolítica na qual o mundo se encontra atualmente. Estar na América Latina funciona a favor do Brasil nesse sentido. Europa, Oriente Médio, Ásia e América do Norte não terão a mesma sorte.
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TRIBUNA – AQUI, O LEITOR TEM A PALAVRA FINAL
Sobre a nota "Almoço grátis" (10/2), de Tulio Milman, a respeito das isenções da tarifa no transporte público:
[...] Agora, esta conversa de que vai ficar difícil para o trabalhador pagar R$ 4 de tarifa é conversa, pois o trabalhador com carteira assinada tem VT. Precisamos saber qual percentual é pago por empresas, este é um dado importante para saber o real impacto do aumento da tarifa na sociedade.
Raul França
[...] Formei uma opinião definitiva, há mais de quinze anos: enquanto os clubes forem estas associações modeladas historicamente pelo espírito de que são entidades de todos, não tem saída! Está mais do que provado, no mundo todo: "o que não tem dono não tem eficiência, carece de seriedade e será sempre usado no interesse de pequenos e poderosos grupos"!
Sérgio Pegoraro
Sobre a nota "UTI" (11 e 12/2), de Tulio Milman, a respeito da carência de gestão em grande parte dos hospitais filantrópicos gaúchos:
Não posso concordar com carência de gestão, quando, ao longo de duas décadas, não se reajusta a tabela do SUS e alguns exames laboratoriais não têm seus custos cobertos. Veja quanto o SUS paga por um paciente com pneumonia.
Cassio Luiz Freitas Mota
Sobre a indicação de Alexandre de Moraes para o STF, abordada em mais de uma nota:
Eu gostaria de entender uma coisa: para se ocupar cargo público federal – fora CC – e ter estabilidade, não é preciso fazer um concurso público? Então, como pessoas que nem funcionários de carreira são tomam posse no STF sem fazer concurso público?
José Henrique Elustondo
Sobre as notas "Perspectiva" 1 e 2 (13/2), a respeito da crise ética no Brasil:
A única coisa que afeta nossa honra ou a dos outros brasileiros, já que não me incluo neste enorme grupo, é ter seu time do coração rebaixado! Todo o resto, e olha que teríamos milhares de motivos pra nos envergonhar, leva-se de barbada! [...]
Márcio Poletto