1.
Era uma senhora baixinha e atarracada. Fiquei feliz ao ouvir português no check-in do aeroporto de Newark. Ela estava ao lado da filha. Eram iguais. Ao lado delas, quatro malas enormes. A atendente da Jetblue pesou tudo e constatou o excesso. Pediu, educadamente, para que alguns itens fossem retirados. E lá se foram mãe e filha para um canto do terminal. Eu era o próximo da fila.
Fiquei tocado com a cena e sugeri à atendente que o excesso de peso fosse creditado na minha cota. Eu só carregava uma mochila e uma mala pequena, dessas que a gente pode levar junto na cabine. A americana me alertou: "Eu não faria isso porque se elas estiverem levando alguma coisa errada na mala, é você que vai para a cadeia". Concordei e agradeci. Fui comprar um Advil para dor de cabeça. Faltavam ainda duas horas para o embarque.
Entrei no avião e procurei meu lugar. Na poltrona ao lado, a senhora do excesso de peso. Dei bom-dia e puxei assunto. Ela era de Minas, quase no sertão. Passara alguns meses nos Estados Unidos visitando a filha. "Tô triste de voltar pro Brasil". Perguntei por quê. Ela disse: "Tenho 72 anos e aqui consegui trabalhar. No Brasil, aos 60, eu já era tratada como lixo".
Fui adiante. O que a senhora fazia aqui? Ela contou que era faxineira, que ganhava US$ 35 para limpar uma casa que chamava de mansão. Às vezes, três no mesmo dia.
Fiquei indignado. US$ 35 é uma exploração. Mas logo disse pra mim mesmo que exploração é não ter trabalho quando se começa a envelhecer.
A senhora de Minas continuou falando: "Você não imagina o orgulho que tive quando disse pra minha filha que não precisava mais do dinheiro dela. Agora há pouco, paguei com o meu trabalho o excesso de peso de uma das malas".
Olhei para aquela senhora de pele enrugada e sotaque quase nordestino. Os olhos dela brilhavam. O avião levantou. Dez minutos depois, ela me perguntou. "Onde é o banheiro?". Apontei pra frente. Vi quando ela se atrapalhou para abrir a porta. Eu estava levantando, mas uma comissária, sorridente e calma, apareceu para ajudar. América, terra de oportunidades.
2.
Ainda estava escuro na Filadélfia. Fazia frio. Cinco graus. Seis da manhã. Mesmo para outubro, uma temperatura baixa demais. A estação onde eu pegaria o trem para Newark fica sete quadras distante do hotel, na 30th Street. Achei melhor chamar um táxi.
Dei bom-dia ao motorista, que me respondeu com um sotaque carregado que quase reconheci. Nariz adunco, um gorro na cabeça, mais de 65 anos, com certeza. "De onde você é?", me perguntou. Brasil, E você? "Jordânia". Me animei, porque conheço e curto a Jordânia. Falei em Amã, Petra e Ácaba. Lugares lindos e cheios de boas lembranças.
Estranho. O motorista parecia indiferente, distante. "Que legal", ele falou.
Breve silêncio. Ele a medir as palavras. "Você conhece Jerusalém?", perguntou, tímido. Claro, morei lá, respondi. Caiu a ficha. E eu disse: Então o senhor não é jordaniano. É palestino. Ele respondeu com um som constrangido, meio gutural. Entendi um sim. Eu disse: Espero que tenhamos paz em breve. Tenho muitos amigos palestinos e gosto muito deles. Chukran, arrisquei quando ele me alcançou o troco. Obrigado, em árabe. Ele sorriu. Parecia aliviado.
Estados Unidos, uma pátria de imigrantes onde hoje, alguns deles, têm medo de dizer quem são.
Bad Boy: uma retrospectiva do caso Ryan Lochte
– Durante a Olimpíada, em entrevista à NBC, o nadador americano Ryan Lochte, medalhista de ouro no Rio, disse ter sido assaltado quando voltava para a Vila Olímpica com outros três colegas de equipe.
– A polícia brasileira investigou e descobriu que a história era uma mentira. Na verdade, Lochte e seus amigos beberam demais e se meteram em uma confusão num posto de gasolina. A repercussão dentro e fora do Brasil foi imediata.
– Lochte confessou que mentiu e concedeu entrevistas pedindo desculpas.
– Quase três meses depois, o processo aguarda o julgamento de um recurso do MP, que discordou da multa de R$ 35 mil, determinada pelo Juizado do Torcedor e Grandes Eventos pela prática de falsa comunicação de crime. O MP propõe R$ 150 mil mais a prestação de serviços comunitários.
– Lochte foi punido pelo Comitê Olímpico Americano, pelo Comitê Olímpico Internacional e pela Federação Americana de Natação com 10 meses de afastamento. Além disso, perdeu todos os seus grandes patrocínios. O encrenqueiro avisou que não pretende vir ao Brasil para seu julgamento.
Infâmia
Passeando pela Feira do Livro de Porto Alegre, encontrei a nova edição em português de Minha Luta, escrito por Adolf Hitler. Fechado com plástico, o livro custava R$ 89,00. "Recebemos hoje a segunda leva. A primeira acabou rapidinho", explicou a vendedora.
Pra não dizer que não falei de flores
Menor em tamanho, a Feira do Livro recuperou a sua grandeza. Há espaço para caminhar e para conversar. A gente vê o céu e a praça. No Margs, a exposição de Zoravia Bettiol é um outro presente. Vibrante, divertida, profunda.Nessas horas a gente volta a acreditar que Porto Alegre tem jeito.
Remédio
Na edição de sexta-feira, quando a coluna se referiu a UPA aberta até as 22h, queria dizer, na verdade, posto de saúde.
Luz Verde
Luiz Carlos Stefani, presidente da Câmara da Indústria, Comércio e Serviços de Canoas, nega que a entidade tenha vetado a indicação de secretário municipal. Não sabe de onde saiu a informação e surpreendeu-se com ela.
Pioneiro
Ele foi um dos 12 brasileiros participantes da Comissão de Implantação do Voto Eletrônico no país. Depois de 35 anos, o assessor de Planejamento do TRE Jorge de Freitas vai se aposentar. Durante sua trajetória, representou o Tribunal Superior Eleitoral em eleições na Argentina, no Uruguai, no Paraguai e na República Dominicana. Recebeu a justa homenagem dos colegas servidores e dos magistrados.